sexta-feira, 26 de maio de 2017

NÃO TENHO MEDO DE PENSAR...

Tenho 34 anos de idade, casado, cristão protestante, reverendo da Igreja Presbiteriana Unida na cidade serrana do território do Recôncavo da Bahia, formado em Ciências Sociais pela UFRB, professor na Educação de Jovens e Adultos (EJA), isso é, baiano, nordestino, brasileiro e, não menos, como abalizou o cantor-poeta Belchior, “sou apenas um rapaz latino-americano...”. Acionei algumas identidades de maneira intencional e política, uma vez que, não há produção de discurso neutro, ou seja, nas palavras do teólogo Leonardo Boff ocorre que, “no dito fica sempre o não-dito, e todo ponto de vista será sempre a vista de um ponto” (BOFF, 2010, p.105).
Desta maneira, toda produção de conhecimento é sócio-histórico e situa-se em uma arena de disputas. No campo da teologia não é diferente, isto é, quem estaria mais “autorizado” a falar sobre os desígnios de Deus? Como uma percepção e ou representação de Deus é construída? A quem interessa essa ou aquela imagem dEle? Como refletir-dialogar com os que possuem experiências politeístas? Não é objetivo deste texto responder, mas, levantar questões para pensar e problematizar aquilo que, por vezes, é dado, é naturalizado.
Sabe-se que o fenômeno religioso é extremamente complexo. Conforme o sociólogo Faustino Teixeira “um dos fenômenos que marcam o século XXI é o reencantamento do mundo, ou seja, a presença significativa da religião em toda parte. As teorias que consagravam a dinâmica irreversível da secularização caem por terra, diante de uma nova ressurgência da religião” (TEIXEIRA, 2014, p.13), isto é, o processo de desencantamento do mundo anunciado por Max Weber e outros intelectuais, em que a partir da racionalidade se daria conta de explicações científicas para um mundo mágico-religioso teve êxito “parcial”.
Seria no mínimo falso negar que o processo de transição de um paradigma societário teocrático, feudal e rural para um antropocrático, urbano e industrial, não geraria outro sujeito social, assim como, outra percepção para o fenômeno religioso. Foram modificações significativas que a modernidade, o advento da produção científica, o avanço tecnológico desenvolveu na contemporaneidade, logo, um discurso sobre Deus ainda é possível no século XXI? Se sim, o que Ele representa hoje e para quem?
Cabe ressaltar que a perspectiva de processo implica necessariamente a ambivalência mudar-permanecer, assim, a racionalidade diminuiu o grau de fantasia do mundo, mas, não a eliminou totalmente, pois, a religião produz sentido na caminhada das pessoas, ou seja, “a religião, enquanto ‘teia de sentidos’ firma-se com vigor nesse tempo de incertezas e inseguranças. Não há como viver no mundo social sem ordenação e significado” (TEIXEIRA, 2014, p.14).
Com efeito, fui aluno do Rev. João Dias de Araújo e tive a rica oportunidade na transição da igreja batista para a presbiteriana de me aproximar de sua percepção teológica. Desta forma, ele se tornou meu tutor, meu pastor e amigo. No STBNe na cidade de Feira de Santana fui bastante influenciado por pessoas como: Marcos Monteiro, Jorge Nery, Eliabe Barbosa, Ágabo Borges e uma brilhante experiência com a FTL-Ne, a Igreja Batista de Bultrins em Pernambuco e a Igreja Batista do Pinheiro em Maceió. Meus olhos se abriram para outra realidade.
No seminário ao ouvir falar da Teologia da Libertação fui cativado por essa possibilidade de uma produção teológica a partir do pobre latino-americano. Com o tempo, foi necessário perceber questões de gênero, de raça, de sexualidade e, não menos, demandas etárias precisavam ser acionadas junto à categoria pobre. Desta forma, “não se trata de uma libertação apenas do pecado (do qual sempre nos devemos libertar), mas de uma libertação que também possui dimensões históricas (econômicas, políticas e culturais)” (BOFF, 2010, p. 35).
Confesso que foi a partir da Igreja Presbiteriana Unida que conheci uma abordagem de um “protestantismo subversivo” em solo brasileiro. Tenho me dedicado a leitura de alguns autores como: Richard Shaull, Waldo César, Jaime Wright, Paulo Stuart Wright, João Dias de Araújo, Zwinglio M. Dias, Rubem Alves, ou seja, como abaliza Boff: “porque a Igreja vive esta contradição, sempre é possível nela a irrupção do profeta e do espírito libertário que a faz se encaminhar na direção daqueles grupos que buscam relações mais justas na História e se organizam nos marcos de uma prática revolucionária” (BOFF, 2010, p. 235).
Essa dimensão e ou característica profética do protestantismo me desafia bastante, logo, torna-se inevitável o interesse pelo tema do ecumenismo, do diálogo inter-religioso e de uma fé cristã reformada que precisa dialogar não apenas com o saber científico e popular, mas, assumir lutas nos diversos movimentos sociais que clamam por justiça nas esquinas e praças de cidade.
Utilizo-me ainda das palavras da historiadora Elizete da Silva que sinaliza: “ao longo da História, a religião interagiu com diversos movimentos sociais, ora legitimando-os ora condenando-os, ou se omitindo, como se a devoção ou a espiritualidade eximisse os fiéis de intercursos sociais. Por mais absenteístas ou contemplativos que sejam os grupos religiosos, relações de poder, utopias e anseios de transformações sociais também atingem crentes que aspiram ao Paraíso ou à Eternidade. (SILVA, 2014, p. 94).
O cientista da religião Jorge Pinheiro abaliza: “continuamos a nos pautar por dogmáticas além-mar, cânones que não podiam ser contestados. Este jeito estrangeiro de ser protestante brasileiro marcou gerações e fez de nós estranhos no ninho” (PINHEIRO, 2008, p.12), ou seja, não se trata de negar a produção teológica da Europa ou dos EUA, mas, construir e fortalecer uma reflexão a partir do nosso chão, das nossas dores e anseios. Precisamos de um Deus brasileiro! É possível pensar Deus no Brasil sem uma linguagem que passe pelo samba, futebol e carnaval? No caso específico do território do Recôncavo: Deus não jogaria capoeira, iria ao samba de roda e ou sentiria a vibração positiva do reggae?
Finalizo com o teólogo Rubem Alves falando sobre a religião: “Ela se presta a objetivos opostos, tudo dependendo daqueles que manipulam os símbolos sagrados. Ela pode ser usada para iluminar ou para cegar, para fazer voar ou paralisar, para dar coragem ou atemorizar, para libertar ou escravizar” (ALVES, 2003, p. 104).
Em minha experiência com Deus, assim como, meu pensar teológico, defendo uma fé engajada e libertadora, uma vez que, como sugere o evangelho de Mateus nas bem aventuranças: “felizes os que tem fome e sede de justiça”. Não tenho respostas para tais questionamentos, todavia, não tenho medo de pensar.
 Muritiba, cidade serrana do Recôncavo da Bahia, 26-05-17.
Cláudio Márcio 
REFERÊNCIAS  
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Edições Loyola, 2003. 
ARAÚJO, João Dias de. Inquisição sem Fogueiras: a história sombria da Igreja Presbiteriana do Brasil. 3ª edição, São Paulo: Fonte Editorial, 2010.  
__________. O Cristo brasileiro: a teologia do povo. São Paulo: ASTE, 2012.  
BOFF, Leonardo. Igreja: Carisma e Poder. 2° ed. Rio de Janeiro. Record, 2010.
PINHEIRO, Jorge. Deus é Brasileiro: as brasilidades e o reino de deus. São Paulo, Fonte Editorial, 2008.  
SILVA, Elizete da. Protestantismo Ecumênico e realidade brasileira: evangélicos progressistas em Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS Editora, 2010.  
__________. Religião e movimentos sociopolíticos: entre a devoção e a insurreição. In: SILVA, Elizete. NEVES, Erivaldo Fagundes (Organizadores). Cultura, Sociedade & Política: ideias, métodos e fontes na investigação histórica. Feira de Santana: UEFS Editora, 2014.  
TEIXEIRA, Faustino. Cristianismo e diálogo inter-religioso. São Paulo: Fonte Editorial, 2014.  



sábado, 20 de maio de 2017

Aos pastores e pastoras do Presbitério do Salvador, paz e bem.

 Sejam fortes e corajosos, todos vocês que esperam no Senhor! (Sl 31.24)

Escrevo essas simples linhas desejando que estejam bem. Muitas são as aflições que na jornada nos “tiram do chão”. Nos preocupamos com demandas familiares, profissionais e, não menos, com uma comunidade de fé (ovelhas) que precisamos cuidar, proteger dos lobos, não? Confessemos: há dias que nós é que precisamos de “águas tranqüilas e pastos verdejantes”. O que fazer nessas situações? Cada um(a) tem respostas múltiplas para essa indagação, não tenho dúvidas.
Desta maneira, rogo ao Senhor que continue cuidando e encorajando cada um(a) nos seus ministérios, lutas e utopias. Sim, sejamos fortes. Tenhamos coragem. Deus caminha ao nosso lado. Chorando e sorrindo, somos dEle. O que esperamos no Senhor? Sugiro que pare a leitura e pense um pouco nisso. De fato, realizando uma ligeira alteração na pergunta acompanhada da reflexão pensemos: o que o Senhor espera de nós?
Deus abençoe sua vida, família e ministério. O PSVD com suas limitações e possibilidades, estende a mão a vocês dizendo: sigamos juntos, pois, Deus é o Senhor de nossa história.
Muritiba, cidade serrana do Recôncavo da Bahia, 15-05-17.
 Rev. Cláudio Márcio
(Moderador do PSVD)



sexta-feira, 19 de maio de 2017

Aos presbíteros e presbíteras do Presbitério do Salvador, paz e alegria.

Espero que estejam bem. Vocês são muito importantes no desenvolvimento espiritual-administrativo da comunidade de fé. São parceiros(as) fortes que podem-devem continuar cuidando de seus pastores(as). Sempre haverá diversidade de perspectivas na relação PASTOR(A) E CONSELHO, que bom! O respeito e diálogo também são imprescindíveis para uma relação de comunhão.
Sei que muitos de vocês encontram-se cansados. Perfeitamente compreensível, não? Quantos anos mesmo de empenho ao Reino de Deus? Quantas lutas na igreja e ou família? Ah, se não fosse o Senhor... Animou, fortaleceu, renovou as esperanças na jornada.
Estejam atentos a novas lideranças na comunidade. Orem. Deus levantará homens e mulheres para continuar a obra que é dEle. Tenham paciência e disponibilidade para ensinar. Lembre-se que mesmo hoje com toda experiência, um dia foi um(a) iniciante.
Rogo ao Senhor que sejam uma bênção no ministério de seus pastores e suas pastoras. Sejam instrumentos de Deus em suas famílias e comunidade de fé. Recebam um abraço de gratidão e afeto pelo trabalho que foi realizado, está sendo e será ainda mais com a orientação do Santo Espírito.


Muritiba, cidade serrana do Recôncavo da Bahia, 15-05-17.
 Rev. Cláudio Márcio
(Moderador do PSVD)




terça-feira, 16 de maio de 2017

Aos diáconos e diaconisas do Presbitério do Salvador, paz e justiça.

“O maior entre vocês deverá ser servo”. (Mt 23:11)

Temos defendido a perspectiva em que espiritualidade e diaconia são faces da mesma moeda. Sim, aprendemos com Jesus de Nazaré que o “Pai-nosso” e o “Pão-nosso” são indissociáveis. É preciso desenvolver ações de cuidado e libertação dos pequeninos que encontramos no caminho.
Confesso que a prática diaconal não deve se limitar a “servir a mesa do Senhor”. É preciso-possível realizar uma atuação mais crítica e ampla na comunidade e ou cidade. Seria desonesto negar, não reconhecer o trabalho feito com amor e responsabilidade pelas juntas diaconais do nosso PSVD. Não se trata de contradição argumentativa no mesmo parágrafo, ao contrário, o tom é muito mais de agradecer, reconhecer e provocar, uma vez que, podemos muito mais!
Deus abençoe vossas mãos. Que muitos na jornada vejam as respostas de suas preces ao Senhor. Sejam fortes, tenham coragem e sigam avante. Deus nos convida para promover justiça nas esquinas e praças da cidade. Aprendamos com a Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) que “mesa do Senhor” é onde se encontra os injustiçados da sociedade e, em muitos casos, lhes faltam ainda: dignidade, garantia de direitos sociais, habitação, terra, mesa e, não menos, pão.


Muritiba, cidade serrana do Recôncavo da Bahia, 15-05-17.
 Rev. Cláudio Márcio
(Moderador do PSVD)


A Juventude do Presbitério do Salvador, paz e alegria.


“Lembre-se do seu Criador nos dias da sua juventude, antes que venham os dias difíceis e antes que se aproximem os anos em que você dirá: Não tenho satisfação neles” (Eclesiastes 12:1).
Gostaria de convidar você a abrir os olhos e perceber que em nossas comunidades de fé, por vezes, o número de anciãos é bastante significativo. Isso não é um problema, ao contrário, louvado seja Jesus de Nazaré por isso. Entretanto, é preciso problematizar: temos visto a presença marcante e relevante da nossa juventude? Onde estão os jovens em nossas estruturas eclesiásticas? Quais serão nossas estratégias de articular, buscar outros para uma experiência profunda com Deus em uma igreja tão linda quanto nossa IPU?
Honestamente, não busco cansar você com essas inquietações, mas, confesso: estamos dispostos a dar continuidade ao que homens e mulheres fizeram pelo Evangelho de Cristo e, consequentemente, nossa IPU? Insisto: abra os olhos! Nossos líderes fundadores estão cansados e ou faleceram. Enquanto rabisco este texto, oro para que você seja tocado por Deus. Para que reavive seu chamado, sua vocação, seus talentos. Peço a Deus que ainda hoje brote em seu coração um desejo enorme de se consagrar ao Senhor e dizer-lhe: “eis-me aqui”.
Espera-se da juventude coragem, criatividade, ou seja, o novo. É isso que você deseja para as próximas gerações, uma IPU fragilizada e quase inoperante? Espero que não. Assim sendo, na igreja, no trabalho, na universidade, nos movimentos sociais, nos partidos políticos, nos sindicatos e nas ONG’s, seja SAL E LUZ DO MUNDO!
Peço a Deus que desperte em você as sementes da revolução do Reino de Deus. Juventude: vistamos a camisa do Evangelho de Jesus de Nazaré, todavia, não cabe “desprezar” o “colete” da IPU. Deseja continuar essa linda história?
Muritiba, cidade serrana do Recôncavo da Bahia, 15-05-17.
 Rev. Cláudio Márcio

(Moderador do PSVD)

quarta-feira, 10 de maio de 2017

UMA FÉ QUE ME CATIVOU...

Por: Cláudio Márcio[1]
Tenho 34 anos e já vi algumas coisas que me espantaram no caminho. Este pequeno texto é um exercício para rememorar ações de pessoas que de algum modo me “tiraram do lugar comum”, logo, é discurso para que a esperança continue sendo minha amiga com quem (ainda) tenho prazer em conversar. Trata-se de uma experiência que tive na Igreja Presbiteriana Unida de Itapagipe em Salvador.
Desta maneira, saliento que é bastante comum pensar que um líder religioso e ou alguém que teve acesso aos estudos teológicos “diminuiu sua fé”, pois, o olhar mais racionalizado para a realidade social o deixa “insensível”, “frio”. Eu, particularmente, desconfio deste senso comum, uma vez que, defenderia para esses grupos uma “fé ampliada”, isto é, cremos apesar de...
Com efeito, retornando ao relato de experiência vos conto uma pequena história... “Eis que tendo emprego, saúde, família, estudos e, inúmeras conquistas pessoais, os passos eram dados e a sensação de vitória era uma constante. A experiência com o sagrado que fez parte da socialização quando criança indo para a Escola Bíblica Dominical já não fazia parte do seu cotidiano, ou seja, na sua agenda, congregar numa comunidade de fé era algo impensável e dispensável. Até que um dia, o corpo reclama e o médico estabelece uma sentença que em breve irá morrer”.
Neste momento, o chão se vai. O que fazer? Tantos sonhos no peito e uma agenda completamente lotada... O que era importante e prioritário vai sendo revisto, adiado, é preciso reinventar a vida e estabelecer novas demandas. Entretanto, precisamos de uma doença, uma catástrofe natural, ficar sem emprego para lembrar-se de Deus? Esquecemos do diálogo entre a raposa e o príncipe: “para ser feliz é preciso cativar e olhar com o coração?” (Antoine de Saint-Exupéry).
  Suspeito que, de fato, essa poderia ser a história de minha amiga Iraci Cerqueira (In memoriam), mas, não foi. Contudo, o que leva e ou move as pessoas a não se renderem diante dos problemas da existência? Que teimosia é essa que diz sim a vida a despeito do contexto caótico? Ora, vi Iraci (como representação simbólica de milhares de mulheres) lutando contra uma terrível doença dirigindo o culto da igreja. Firme! De pé! Cantando e convocando o povo a desenvolver sua fé nos planos de Deus. Como reverendo da Igreja Presbiteriana Unida lembro desta irmã que hoje faria aniversário e penso como preciso ser um cristão melhor. Como sou um aprendiz na caminhada... Confesso: tenho aprendido a ser pastor.
Fé e compromisso são as palavras de ordem para hoje, pois, como abalizou o cantor-poeta Belchior: “amar e mudar as coisas me interessa mais”. Hoje, acredito que Iraci tinha compreendido que “o essencial é invisível aos olhos” (Antoine de Saint-Exupéry).




[1]  Reverendo na Igreja Presbiteriana Unida de Muritiba (cidade serrana do Recôncavo da Bahia).