“O universo é constituído por uma imensa teia de relações de tal forma que cada um vive pelo outro, para o outro e com o outro.” (Leonardo Boff)
Na antropologia, o treinamento do olhar é um dos exercícios mais importantes. Saber olhar e discernir que cada cultura tem sua lógica própria. E, é nesse parâmetro que se entende a antropologia como uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, isto é, a busca de respostas para refletir o que somos a partir do espelho fornecido pelo outro. Uma maneira de se situar na fronteira de vários mundos sociais e culturais, abrindo janelas entre eles, através das quais se alarga as múltiplas possibilidades de sentir, agir e refletir. Dessa forma “só pode ser considerada como antropológica uma abordagem que objetive levar em consideração as múltiplas dimensões do ser humano em sociedade”.
A ideia de que todos estão juntos na mesma casa é indispensável para um diálogo inter- religioso. Uma vez que precisamos vencer a visão etnocêntrica que temos e redirecionar o nosso olhar para a diversidade (pois, aí se encontra a beleza). Daí, Geertz afirma que a humanidade deve ser vista como um produto de construções simbólicas complexas, procurando então, “desvendar o tecido simbólico”. Ou seja, os códigos, as regras, os significados e as simbologias elaborados dentro de um sistema social e que marcam os modos de ver o mundo e agir nele.
Assim, pensar a existência do humano nesta aldeia global é uma experiência extraordinária, seja na sociedade “primitiva” ou na “complexa”. O humano e sua relação paradoxal que encanta por sua diversidade cultural e sua capacidade de criar e recriar seu meio social, de se conhecer através do outro. Isto é, ao mesmo tempo em que expressa força, capacidade... sinaliza fragilidade, pequenez e submissão.
No entanto, durante muito tempo o diferente trouxe pavor, inquietações e através de experiências e vivências, o humano, a sociedade e consequentemente as identidades, foram se transformando ao longo de um processo histórico-social-cultural que é lento, porém, constante.
Sendo assim, Stuart Hall discute a identidade e suas transformações sociais e aponta três concepções de identidade, a saber: o sujeito do iluminismo (dotado de capacidades da razão, o ser humano centro da história), o sujeito sociológico (identidade formada na relação entre o interior e o exterior, mundo pessoal e público), sujeito pós-moderno (identidade fragmentada). Ou seja, várias identidades e às vezes contraditórias. Desta forma, a identidade é formada na história e está sempre aberta, em andamento, sendo construída e reconstruída por diversos fatores.
No entanto, precisa-se perguntar: o que cada religião fala sobre Deus? Rubem Alves afirma que “a religião pode ser usada para libertar ou escravizar depende de quem manipula os símbolos do Sagrado”. Ou seja, a fonte maior da vida se esgota em uma religião? (Deus é nosso?) Não seria muita arrogância pensar desta maneira? Por que o demônio sempre está no outro? Porque temos dificuldades em enxergamos nossas mazelas?
Evidentemente que em uma casa não existe uniformidade de pensamento, porém, a parceria, o respeito devem ser nossos paradigmas em todo tempo em que vivermos. Precisamos diz Gandhi: despertar o Sagrado que há dentro de nós. Assim, estaremos maduros o suficiente para sentarmos a mesa da fraternidade. Pois, ao encontramos na narrativa bíblica em Gênesis que o humano é imagem e semelhança do seu criador, entendemos que o outro também revela Deus, e aí é que mora a beleza do Criador, que em cada cultura e em cada momento da história, Ele se manifesta de uma forma diferente. Mas sempre disposto a cuidar da sua própria CASA (O MUNDO) com o humano em uma relação de amizade e parceria.
Enfim, acredito que Deus nos chama para um momento novo... Para Pierre Bourdieu, precisamos acreditar no jogo, vale à pena jogar (ILUSIO). Pois, o que é o humano? Poderíamos sinalizar como ser em constante construção e cheio de dimensões: aberto e fechado; com amor e ódio; com paz e violência; justo e injusto; grato e ingrato; Na verdade, a resposta antropológica é sempre de abertura pelo fato de entender que o humano é imprevisível, assim como a vida e a sociedade.
Logo, este é o momento de percebermos a beleza e a grandeza que existem na diversidade e singularidade de cada povo e cultura. Pois, aquilo que me é estranho de onde olho, também o é para o outro de onde me olha (encantamento e amedrontamento são mútuos). Desta maneira, não seria este um dos mais difíceis e significativos legados da antropologia: o diálogo cultural entre o singular e o plural em cada esquina dessa chamada aldeia global?
Penso que há uma necessidade profunda de refletirmos através de uma perspectiva teológica aqui no recôncavo da Bahia. Lugar de tanta riqueza em suas tradições... Tanta diversidade cultural... Qual seria o papel da teologia neste contexto de identidades múltiplas?
Existe uma palavra grega (OIKOUMENE), que expressa um pouco do meu desejo de partilhar este pequeno texto. Pois, a tradução desta palavra seria (todos habitando no mesmo teto). Isto é, todos estão ligados e interligados, somos dependentes e interdependentes uns dos outros...
Desta maneira, é evidente que há uma força (produtiva ou não) muito grande de cada comunidade eclesiástica em cada cidade. Os líderes religiosos (todos/as) exercem uma influência muito grande sobre seus seguidores. Porém, a pergunta que precisa ser feita é: de que lado a religião está? Qual a sua função social? Assim, Durkheim sinaliza que: “Não existe religião alguma que seja falsa. Todas elas respondem de formas diferentes a condições dadas de existência.”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Rubem. O que é religião? 5° edição. São Paulo, Editora Loyola, 2003.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. 3. ed. São Paulo:bMartins Fontes, 2003.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 6. ed. Rio de Janeiro. DP&A, 2001. 103 p. Título original: The question of cultural identity.
LAPLANTINE, François; A Pré-história da Antropologia: a descoberta das diferenças pelos viajantes do século XVI e a dupla resposta ideológica dada daquela época até nossos dias, in. LAPLANTINE, FRANÇOIS. Aprender Antropologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1997. P.37-73.
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