sábado, 12 de maio de 2012

Mães que choram





Para quem tem mãe e motivos para comemorar, hoje é dia de almoço em conjunto, de entrega de flores e presentes. Afinal, à exceção do Natal, esta é uma das datas em que o comércio mais lucra.
Hoje é dia de mães abraçarem seus filhos e suas filhas e, emocionadas, se esquecerem dos sofrimentos e das angústias que eles lhes causaram. Tudo é esquecido e perdoado. As escolas, igrejas e empresas vão fazer festas e promover homenagens especiais.
Mas, permitam-me quebrar este quadro tocante para lembrar outras mulheres que também são mães, mas não têm o que comemorar, porque seus filhos ou suas filhas lhes foram tirados do colo e da vida. As estatísticas mostram que, cada dia, dezenas de mulheres enterram um filho ou uma filha. Segundo o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), 13 adolescentes morrem diariamente por assassinato no Brasil. De 2006 a 2012, a quantidade de jovens assassinados superará 33 mil[1]. As estatísticas são tão alarmantes que a 15ª Assembleia Nacional de Pastorais da Juventude do Brasil, em 2008, criou a Campanha Nacional contra a Violência e o Extermínio de Jovens para denunciar o crescimento de jovens mortos em todo o país e propor ações que possam mudar essa realidade. [2]
Pensando nestas mães que perderam seus filhos, lembro-me de outra mãe, que também passou por essa  dor. O nome dela? Rispa! A sua história está narrada em 2 Samuel 21, no Antigo Testamento[3].
Rispa foi uma das esposas do rei Saul e convivia com as intrigas palacianas. Após a trágica morte do rei, iniciaram seus dias de angústia. Apesar de não participar da vida política, ela se tornou vítima dos grandes e poderosos em sua luta pelo poder. Será que seu nome seria um prenúncio de sua aflição? Afinal, Rispa significa “pedra quente”, ou seja, a pedra aquecida ao fogo, na qual as mulheres assavam o pão. Na época do rei Davi, Rispa enfrentaria uma situação extremamente dolorosa (2 Samuel 21). Era uma época de estiagem prolongada. Naqueles tempos, era costume atribuir catástrofes naturais a Deus. Também Davi pensava assim. De alguma forma, ele descobriu que a causa da estiagem podia estar relacionada a um crime praticado por Saul contra os habitantes de uma cidade chamada Gibeão. Nada sabemos sobre esse suposto crime.
Para resolver rapidamente a situação, Davi pergunta aos moradores de Gibeão como esse mal poderia ser desfeito, de modo que as chuvas voltassem. Os gibeonitas exigiram, então, a morte de sete descendentes masculinos de Saul. Davi aceitou a exigência dos gibeonitas e deu-lhes dois filhos e cinco netos de Saul, que foram executados. Seus corpos foram expostos à execração pública no alto de uma penha.
Os dois filhos de Rispa estavam entre os executados. O que faria essa mãe-viúva, cujos filhos eram seu único arrimo e futuro? O texto bíblico narra o seguinte: “Então, Rispa, filha de Aiá, tomou um pano de saco e o estendeu sobre a penha e não deixou que as aves do céu se aproximassem deles de dia, nem os animais do campo de noite, desde o princípio da ceifa até que sobre eles caiu a água do céu”.
A enorme dor da mãe não consegue dobrá-la; ela não se conforma com a violência oriunda de divergências políticas. Ela não pergunta se seus filhos eventualmente têm algo a ver com o mencionado crime de Saul ou não. Isso agora é secundário. Ela faz algo inesperado: demonstra publicamente, através do luto, também sua rebeldia contra a injustiça dos poderosos. Ela leva seus trajes de luto – roupa de saco – para onde estão expostos os filhos mortos e espanta os animais e os abutres que querem atacar os cadáveres. Pois os cadáveres devem ficar insepultos, à vista de todos, até que sua morte alcance o objetivo almejado: o fim da estiagem.
Em sua dor, Rispa não sofre silenciosamente. Através de seu luto realiza um protesto público, demonstrando sua inconformidade. Com seu gesto de amor aos filhos e sobrinhos mortos ela consegue comover, sem palavras, os transeuntes. Com o tempo – o texto dá a entender que podem ter sido até cinco meses –, até o poderoso rei Davi se convence de que eliminar pessoas inocentes por razões políticas não é a forma correta de governar.
O protesto de Rispa, silencioso e pacífico, que escancara a crueldade de uma sociedade que não respeita a pessoa humana, surtiu efeito: conseguiu mover um grande rei a mudar sua postura política. A “pedra de fogo” queimou a consciência dos poderosos em seu jogo ensandecido pelo poder. Assim, outras mães não precisariam passar pela mesma dor e sofrimento.
Peço licença para prestar uma homenagem a todas as mães que, no dia de hoje, não comemoram, mas choram pelos seus filhos e filhas mortos pela violência policial, pela violência do trânsito, pelos grupos de extermínio, pelos matadores da nossa sociedade. Mulheres como as Mães de Acari, mães da Praça da Sé, as Mães de Luziânia, que tiveram seus filhos assassinados ou que estão desaparecidos e que, hoje, não terão como presente um abraço, um botão de rosa ou um sorriso. Em vez de receber flores, muitas destas mães levarão flores para a sepultura dos seus filhos e suas filhas, outras continuarão nas praças ou nos programas de televisão, buscando sem cessar por seus filhos, apegando-se a um fio de esperança que impede que desanimem.
A todas as Rispas o nosso respeito e solidariedade pelos filhos que não poderão abraçar!

Revda Sônia Mota – pastora da IPU
Pastor Nelson Kilpp- IECLB


[1] www.estadao.com.br
[2] WWW. .juventudeemmarcha.org
[3]  Cf. Nelson Kilpp. “Rispa”. Revista Novo Olhar. Sessão Retratos. Edição de janeiro de 2010.

Mães, mas sobretudo mulheres - Pastora Odja Barros

Esta é uma semana na qual a imagem da mãe é muita louvada, reverenciada e poetizada. Quantas poesias e imagens tentam retratar e expressar o valor dessa imagem feminina de mãe como um ser quase divino. È verdade que há algo de divino na maternidade. O poder de gerar vida, amor uterino, amor que vem das entranhas, do útero é de onde se origina a palavra MISERICORDIA, que significa o amor que vem das entranhas, do útero, o amor de Deus.
Mas, essa imagem "divinizada" da mãe pode também ocultar toda a mulher que existe na mãe. Somos mães, mas, sobretudo mulheres, com todas as nossas potencialidades de amor, cuidado e doação, mais também com nossos desejos, limites, fragilidades e incapacidades como todo ser humano real. Não são poucas as mulheres que se anularam completamente num ato quase "crístico" de sacrificar-se por seus maridos e filhos, esquecendo de si mesmas. Não podemos esquecer as palavras de Jesus quando nos ensina que: "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo"(Mc 12:33). Isso significa que não podemos amar ao outro perfeita e saudavelmente se não amarmos a nós mesmas. Esse amor poder ser adoecedor para quem dá e para quem recebe.
De outra parte também temos mulheres impedidas biologicamente de gerar filhos/as ou ainda mulheres que decidiram que não querem ou não se sentem prontas para serem mães e por isso sofrem. Sofrem por se sentirem menos mulher ou pela pressão social que quer arbitrar sobre os seus corpos como se fosse coisa pública onde todos podem opinar. Segundo Simone de Beauvoir "o corpo da mulher é um dos elementos essenciais da situação que ela ocupa neste mundo. Mas, não é ele tão pouco que basta para defini-la." [1] portanto o definir-se mulher ou mãe está para além das funções biológicas do corpo. A maternidade não pode ser reduzida a um útero engravidado.
A maternidade pode ser vivenciada e expandida para todo corpo que acolhe e torna-se casa, abrigo, seio que ampara, cuida, integra assumindo a plenitude da experiência maternal.  Todo corpo pode ser um útero pronto para acolher e cuidar da vida. Mas, o estereótipo da grande mãe, da mãe-virgem do Salvador ou das palavras paulinas que diz que "a mulher que será salva dando luz à filhos" continua pairando sobre nossas cabeças como modelos de mulheres salvadoras de si mesma. (I Tim. 2:14)  Talvez seja um bom momento para lembrarmos-nos das mulheres-mães da genealogia de Mateus 1, mulheres que contrariam esse modelo estereotipado. Apesar de estarem de alguma forma relacionada à maternidade, "mas é na contramão de ser mãe que elas se empoderam. O que as salva não é o ventre engravidado, mas o poder de decidir seus estados de gravidez"[2]
Tamar, Raabe, Rute, Bete-Seba, mulheres, mães que entram na genealogia de Jesus escapando dos esquemas e estereótipos da sua época e são lembradas não por sua superioridade ética ou por ser modelo disso ou daquilo, mas pela coragem de agir em favor se si mesmas e de sua comunidade. Também nós a exemplos dessas mulheres somos desfiadas a resistir à mitificação e estereótipos e termos o direito de dizermos neste dia que somos mães (de pudermos ou quisermos), mas, sobretudo somos mulheres.

Da mulher, Odja Barros.
Texto publicado no site do CEBI em maio de 2011.
Odja Barros é pastora da Igreja Batista do Pinheiro em Maceió/AL e ajuda a coordenar a Aliança Batista Brasileira. É integrante da CEBI-AL  e do Conselho Nacional do CEBI. 




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