quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A VIDA É BOA E DURA...

Por: Cláudio Márcio[1]
                                                                                                
Deus (Pai-Mãe) de toda bondade e justiça. Obrigado pelo dia que se abre diante de mim. Cantarei ao Senhor enquanto viver. Tu és a minha alegria. Ah Senhor, muitas são as minhas aflições, meus medos. Todavia, a quem temerei? Percebo teu cuidado e fidelidade. És fonte de amor e esperança.
Hoje, intercedo pela vida de amigos e familiares que estão enfrentando situações que envolvem enfermidades. Tem piedade de nós! Atende a voz do nosso clamor. Sim, Tu podes todas as coisas. Sabemos em quem temos crido. O nosso Redentor vive!  Hoje com os nossos olhos te encontramos.
Senhor, viver é uma bênção e um perigo. Não tenho muitas respostas... O que tenho na realidade é um desejo profundo de continuar caminhando. Até onde iremos? Chegaremos à próxima esquina? Sentaremos à mesa para partilhar mais um pão? Aquele abraço será dado? Honestamente, não sei. Espero ardentemente que sim...
Pai-Mãe, a vida é boa e dura. Precisamos de coragem para seguir, porém, temos a sensação que não temos mais forças. A nossa “bateria” vai se esgotando. O que fazer? Tu és fonte de vida! Vem Espírito Santo (re)organizar nossas vidas. Enxuga nossas lágrimas e nos faz sorrir novamente.
Rogo ainda pelos profissionais da saúde. Misericórdia por aqueles(as) que não possuem um plano de saúde. Intercedo por pessoas que carecem da liberação das burocracias hospitalares. Peço-te que continue agindo através de homens e mulheres que cuidam e encorajam pessoas através de saberes populares. Isto é, não apenas o jaleco, mas, folhas, raízes e chás.
Deus, piedade dos mercenários da saúde. Piedade dos que (pela cor da pele) oferecem um atendimento e ou tratamento diferenciado. Escuta nosso clamor e nos faz compreender Tua vontade. Peço-te Senhor, derrama o óleo em nossas cabeças e nos ensina (também) que nossas mãos podem ser (vez por outra) as tuas. Amém!




[1]  Reverendo da Igreja Presbiteriana Unida de Muritiba-BA

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A CABANA: o filme se fez carne...

“Dentre os muitos desafios que temos de enfrentar, um dos mais importantes hoje em dia é o da imaginação de outro tipo de crente. Imaginar, criar imagens de, figurar, desenhar, sonhar, formar” (Júlio Zabatiero)
Por: Cláudio Márcio[1]
Tive a oportunidade de assistir o filme A Cabana (direção de Stuart Hazeldine) e confesso que fiquei bastante indignado. Comecei a me indagar: como é possível líderes cristãos reclamarem dessas releituras imagéticas? Qual o problema de pensar Deus enquanto mulher negra e ou homem indígena, Jesus de Nazaré com características fenotípicas islâmicas e o Espírito Santo como mulher oriental?  Penso que o humano é criatura e criador de símbolos e percepções do mistério profundo que chamamos Deus. Sendo assim, problematiza-se: a quem interessa essa e não outra imagem do Divino?
Nos princípios de Fé e Ordem da Igreja Presbiteriana Unida (IPU), em relação ao texto bíblico diz: “as Sagradas Escrituras são o padrão de doutrina e ética. A IPU reconhece, contudo, diante delas, o direito a diferentes posicionamentos exegéticos e teológicos os quais, sob a influência de condicionamentos históricos, culturais e sob a orientação do Espírito Santo, transformaram-se e se transformam de acordo com as necessidades dos homens e passaram a constituir verdadeiro patrimônio espiritual da Igreja Cristã”. Dessa forma, Karl Barth já provocava: “é preciso ter a Bíblia numa mão e os periódicos na outra”. O Rev. João Dias de Araújo também contribuiu significativamente com a relação do texto sagrado e a questão da terra, da justiça social, da cultura popular brasileira.
Estou lendo o livro Reimaginar a igreja no Brasil (organizado por Clemir Fernandes e Flavio Conrado), nele, Marcos Monteiro abaliza: “ a história do Ocidente caminhou sempre e cada vez mais na relação com a Bíblia, modo complexo de se relacionar, em que a Bíblia ou foi amada ou foi temida (e até odiada), espaço de celebração ou de libertação, mas também lugar de medo e de dor”. Já Paulo Nascimento indaga: “por que nossa relação com a Bíblia não tem a mesma liberdade que Jesus de Nazaré tinha diante dos textos sagrados de sua religião?”.
            Bem, retomando ao filme, não desejando discutir seus aspectos mercadológicos de uma sociedade de consumo, mas, pensando na possibilidade de releitura das Sagradas Escrituras, de fortalecer as teologias emergentes na América Latina, fui extremamente impactado através da linguagem cinematográfica de leituras familiares sobre o Sagrado. Diante de dificuldades existenciais, crises e problemas que muitos enfrentam cotidianamente, outra percepção de si mesmo e do(a) Outro(a) faz a vida ser reinventada. Voltar a caminhar e sorrir. Temos que reler a Bíblia com coragem, responsabilidade e compromisso com a defesa da vida. Magali do Nascimento Cunha como uma das vozes do livro Reimaginar aponta: “fica a mensagem para nós, como igreja hoje, seguidores deste Deus, o totalmente Outro, o Incondicionalmente Outro, que chama peregrinos, estrangeiros, forasteiros, para serem o seu povo. Quem é o outro hoje? Quem são os peregrinos, estrangeiros, forasteiros que carecem de nossa acolhida?
Com efeito, encerro essa reflexão com uma imagem do filme e outra ocorrida esta semana. Tive a oportunidade de representar a Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra (CEDITER) no Encontro Nacional do Fórum Ecumênico ACT Brasil, 14 a 17 de agosto em Brasília. Participam do evento representantes da Aliança de Batistas do Brasil, CEBI, CEDITER, CESE, CESEEP, Christian Aid, CLAI, CMI, Comin, CONIC, Diaconia, FLD, Koinonia, PAD, Reju, SOS Corpo e UNIPOP. Experiência marcante e desafiadora. Fomos para uma vigília em solidariedade aos povos indígenas e quilombolas contra o marco temporal na frente do STF no dia 15. Lá, em diálogo com dois grupos que ali estavam os Guarani Kaiowá (região de Dourados, MS e Guarani Nhandeva da região sul), vi movimentos sociais, pesquisadores, líderes religiosos, jovens universitários, etc.
Fomos abençoados por eles. Ora, sou do território do Recôncavo da Bahia, pensar o rosto de Deus negro é um exercício reflexivo teológico que realizo, todavia, a face dEde no indígena não é tão familiar para mim. Ali, em meio aquela manifestação, vi a face de Cristo. Eu que sou líder religioso, reverendo da IPU, fui capaz de perceber Jesus de Nazaré (também) nos povos indígenas.  No filme Deus aparece como indígena. Na frente do STF, a imagem do filme se fez carne.  Não é exagero algum concordar com Nancy Cardoso Pereira no livro supracitado que: “em nome de Deus profetas e sacerdotes dizem mentiras”. Contudo, o que presenciei no Fórum Ecumênico ACT Brasil, foi o compromisso de organizações em defesa da vida em sua diversidade.    



[1] Reverendo da IPU em Muritiba-BA.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

HISTÓRIAS DE VIDA ENTRE A DOR E A ESPERANÇA...

“Jovens, à época, empolgados com as possibilidades abertas para construção de um novo futuro para o país, e, ao mesmo tempo, convencidos do retrocesso político, econômico e cultural sinalizado pela implantação de um regime autoritário, criaram as suas diferentes formas de resistência ao arbítrio      e ao atropelo dos direitos inalienáveis da pessoa humana. Pagaram um preço inaudito por sua ousadia e destemor. Foram vítimas da tortura, da prisão e do exílio... e muitos tiveram suas vidas ceifadas nos porões da violência institucionalizadas” (DIAS, 2014, p.13).

Por: Cláudio Márcio[1]
O documentário Muros e Pontes: memórias Protestantes na ditadura[2] ajuda a refletir sobre a temática do Estado Laico e a função religiosa, pois, propõe desvendar memórias como uma espécie de recontar narrativas experimentadas por jovens protestantes ecumênicos (homens e mulheres) durante o golpe de 1964. Ora, as memórias são modos de articulações entre experiências vividas no fluxo do tempo, portanto, passadas e presentes, ou seja, contar a memória é reconstruir um lugar no mundo produzindo pertencimento político identitário, pois, a memória é produto e produtora de mundo concomitantemente.
Partindo deste pressuposto da fabricação de identidades, quem são esses rostos e essas vozes apresentados no documentário? A função de entrevistador do documentário é do pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e professor universitário, Zwinglio M. Dias. Na realidade, ele ocupa um lugar dúbio, uma vez que, neste processo de múltiplas identidades, ele ora realiza entrevistas, ora oferece o seu depoimento como alguém que também carrega as marcas deste contexto arbitrário militar brasileiro. O documentário oferece histórias de vida com um misto de dor e esperança. Sinaliza ainda um contexto de efervescência política onde as instituições estavam sendo questionadas por seus modelos hierárquicos, muitos líderes religiosos não estavam preparados para serem interrogados e, ao mesmo tempo, de fazer uma ponte entre a fé cristã e as inúmeras demandas sociais do Brasil. Evidentemente que alguns jovens cristãos e ecumênicos estavam dispostos a construir essa suposta ponte.
Assim sendo, refletindo o protestantismo brasileiro é possível problematizar: por que essas experiências de fé, luta, reflexão crítica e engajamento político foram (são) negadas em muitas comunidades de fé? Falta de informação das lideranças? Trata-se de líderes mal intencionados? Por que negar a trajetória e influência de figuras como: Richard Shaull, Waldo César, Jaime Wright, Paulo Stuart Wright, João Dias de Araújo, Anivaldo Padilha e Rubem Alves?
Uma das formas de tentar responder a esses questionamentos é olhar para a parceria feita entre o Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia e Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, pois, ao desvendar e ou recontar um momento histórico do Brasil e de alguns jovens ecumênicos, muitas narrativas são potencializadas gerando imagens e sons desafiadores para outras gerações. Dito de outra forma, esses depoimentos apresentam-se como contraponto de uma suposta história oficial, uma vez que, esses homens e mulheres trazem no corpo e na memória as marcas de um momento sombrio na política brasileira.
Com efeito, é urgente romper com os paradigmas que não dialogam com a diversidade cultural brasileira. É preciso compreender que existem protestantismos com possibilidades múltiplas de vivência da fé. A Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU) é um exemplo de uma forma de ser em que a dimensão da fé pode-deve ser efetivada em sindicatos, partidos políticos, ONG’s, etc, logo, criou-se a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e a Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra (CEDITER).
Há um fragmento narrado por Zwinglio M. Dias no documentário em que ele e um grupo eram acusados de “ecumenistas”, ou seja, uma mistura de ecumênicos com comunistas. Desta forma, esses jovens eram vistos como “perigosos” para o ordenamento eclesiástico onde estavam inseridos, assim como, para a ordem política vigente no país. Bem, tenho lido Richard Shaull e Frei Betto, assim, penso ser necessário fazer uma distinção entre uma “bancada evangélica” com características teocráticas e que em nada garantem os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras em nossa “pátria amada”, de uma fé que é práxis libertadora, isto é, uma participação política engajada por justiça social e garantia dos direitos de grupos sociais.
De fato, o documentário traz a memória entre os tantos nomes o do Rev. João Dias de Araújo. De quem se trata? Um líder religioso com formação em teologia, filosofia e direito. Um dos fundadores da IPU. Ajudou a criar o SIM (Serviço de Integração do Migrante), em Feira de Santana-BA. Autor de uma obra clássica para quem estuda o fenômeno religioso protestante brasileiro, a saber: Inquisição sem fogueiras, ou seja, trata-se de um líder religioso extremamente articulado com o solo brasileiro e optou (assim como Jesus de Nazaré), em caminhar com e pelos “pobres”.
            Evidentemente que o processo de rememorização é sintético, pois, o reverendo João Dias foi em vida muito mais do que o dito acima. Logo, como e ou por que ocultar uma trajetória tão relevante e encorajadora? A quais grupos e ou sujeitos sociais interessam o apagamento ou a omissão dessa e tantas outras memórias? Comungo então que as lutas outrora travadas encontram-se atuais, sobretudo porque ainda vivemos com as velhas inquietações abordadas nos fragmentos do que se tornou o Hino oficial da IPU que diz: “Que estou fazendo se sou cristão, Se Cristo deu-me o seu perdão? Há muitos pobres sem lar, sem pão. Há muitas vidas sem salvação. Mas Cristo veio pra nos remir, O homem todo sem dividir: Não só a alma do mal salvar, Também o corpo ressuscitar” (OLIVEIRA, 2014, p. 80).
            Essa era a característica das vidas acionadas no documentário: por uma teologia pública crítica e libertadora. Assim, é necessário potencializar essas vozes para que novas práticas possam brotar no protestantismo brasileiro. Lembremos de Rubem Alves quando sinaliza: “Mas os mártires têm aparecido: Gandhi, Martin Luther King, Oscar Romero e muitos outros. Líderes religiosos são intimados, perseguidos, ameaçados, expulsos, presos... Ópio do povo? Pode ser, mas não aqui. Em meio a mártires e profetas, Deus é o protesto e o poder dos oprimidos” (ALVES, 2003, p. 111).  

REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
DIAS, Zwinglio M. (org) Memórias Ecumênicas Protestantes - Os protestantes e a Ditadura: Memória e Resistência. Rio de Janeiro: KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, 2014.
OLIVEIRA, Nilton, Emmerick. A Militância Política de um Presbiteriano “Comunista”... In: DIAS, Zwinglio M. (org) Memórias Ecumênicas Protestantes - Os protestantes e a Ditadura: Memória e Resistência. Rio de Janeiro: KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, 2014.


[1] Reverendo da Igreja Presbiteriana Unida de Muritiba-BA.
[2] Documentário produzido em parceria pelo KOINONIA: Presença Ecumênica e Serviço e o projeto Marcas da Memória, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça entre 2013 e 2014.  Ver: http://koinonia.org.br/