Mesmo a mais tendenciosa História não pode escapar de ver
a realidade em que vieram, viveram e vivem hoje no Brasil milhões de
afro-descendentes, nossos irmãos negros e nossas irmãs negras. É inegável que
houve participação das Igrejas históricas na luta pela abolição, pela igualdade
e oportunidade de todos os negros e negras de nosso país. Todavia, foram
atitudes pontuais, sem a força do comprometimento, sem arriscar de fato e de
verdade a própria pele, como nos manda o Senhor da Igreja quando nos fala dos
seus pequeninos, isto é, de todos os injustiçados, discriminados e relegados à
miséria, doenças e morte.
A concepção ocidental da superioridade branca não é só
risível, é criminosa. Alimentou e alimenta a escravidão e tinha o direito sobre
a vida e a morte dos escravos, como ocorre na escravidão contemporânea,
camuflada nos empregos domésticos sem a carteira assinada, com valores abaixo
do salário mínimo; como ocorre em grande parte na prestação de serviços, no uso
de mão-de-obra não especializada no campo e na cidade. Isso todo mundo está
cansado de ver por meio da imprensa comprometida com a Justiça e a Paz
decorrente.
A concepção da Igreja como Corpo de Cristo nos é muito
útil agora. Se um membro sofre, todos sofrem com ele. Se um membro é honrado,
todos se alegram com ele. Mas existem patologias estranhas: alguém que fere o
seu próprio corpo, como se rejeitasse sua mão, seu pé, seu ouvido. Patologias
religiosas. Patologias espirituais. A Igreja de Cristo, desde os tempos
apostólicos, sabe da dignidade do outro em sua plenitude. Sabe que Jesus Cristo
conquistou essa dignidade por meio da cruz. Sabe que, sem a cruz, sua religião
é falsa, diabólica e destina-se ao inferno. Assim, como Corpo de Cristo, a
Igreja antiga e contemporânea reconhece, se é fiel e sensata, a sua
participação direta e indireta na alienação, discriminação e obstáculo para
todos os que trazem na pele uma cor diferente da branca.
Como CORPO DE CRISTO todos participamos do bem
ou do mal praticado contra estes irmãos e estas irmãs. Quando não fomos os
algozes diretos, não nos importamos que outros o fossem. Quando víamos e
sabíamos, nos calamos. Quando gritavam, fechamos os ouvidos. Quando apelavam às
leis, encontramos os melhores advogados, cujos custos eram e são muito
superiores à prática da Justiça.
Sim, como CORPO DE CRISTO, nós também discriminamos na
discriminação ignorante, na interpretação tendenciosa, na leitura de uma só
ótica. Como pessoas e cidadãos, não temos oferecido o que manda o Senhor
oferecer ao nosso próximo que foi derrubado pela maldade humana: azeite para as
suas feridas, apoio para sua caminhada, abrigo para as suas tempestades, disponibilidade
e generosidade para as suas necessidades presentes e futuras. O Senhor grita
aos nossos ouvidos: “Vão e façam o mesmo”. E também: “Peçam perdão para poderem
orar como lhes ensinei”.
Assim, em nome da Igreja Presbiteriana Unida
do Brasil – IPU, pedimos perdão a vocês, irmãos e irmãs afro-descendentes de
nosso país, pelos males bem identificados, geralmente arrolados sob o nome de
discriminação, que nós praticamos contra vocês na história passada e presente,
por todo tipo de pensamentos e palavras insidiosos, malévolos, satânicos que
deixamos entrar nos nossos ouvidos e deixamos sair da nossa boca, por todo tipo
de má vontade decorrente de sua condição de negro e negra que manifestamos ao
longo da nossa vida. Pedimos perdão por considerarmos inferiores a sua
religião, a sua religiosidade, a sua música, os seus símbolos, o seu modo de
viver. Pedimos perdão a vocês que são cristãos e cristãs, a vocês que são
muçulmanos, a vocês que são umbandistas, a vocês que seguem outras tradições de
matriz africana, a vocês sem qualquer religião ou fé, a vocês todos, como um
povo, a quem devemos amar como nos ama Jesus Cristo.
As suas lutas todas por Justiça são as nossas
lutas, sem favores. Seus gritos por socorro são os nossos gritos e atingem
nossos ouvidos prioritariamente.
Pedimos a Deus Pai-Filho-Espírito Santo que
nos desperte a todos desse mal consciente nos adultos, inconsciente nas
crianças, mas real e intransferível, a não ser para Jesus, que o levou à cruz,
a qual Ele nos convida a ajudá-lo a carregar como gratidão pelo Seu amor.
Igreja Presbiteriana Unida do Brasil – IPU
Texto aprovado pela Assembleia Geral Ordinária – jul/2008/ES
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