Por: Cláudio
Márcio R. da Silva[1]
"Porque não há outra forma de falar sobre Deus a
não ser falando sobre nós mesmos. Deus é um espelho no qual a imagem da gente aparece
refletida com as cores da eternidade." (Rubem Alves)
Quero compartilhar duas experiências que
envolvem a temática da oração. Na primeira, falei a um camarada meu que estava
orando por ele quando ele sorrindo disse: “não faça isso não! Você orou por
nossa amiga e ela sofreu um acidente de carro”. Rimos bastante e eu insisti:
“justamente. Se eu não tivesse orado ela poderia ter morrido”. Já a
segunda se deu com uma criança que escutou sua tia dizer: “tá melhor meu filho?
Tia ora por você todos os dias e não quer que nenhum mal lhe aconteça. A
criança de 4 anos, imediatamente sinaliza: “tia, então a oração não tá funcionando,
meu dedo cortou e só parou de sangrar quando eu coloquei o curativo”.
O que de fato significa a oração? Sabe-se que essa
não é uma prática exclusivamente do cristianismo, logo, pessoas de fé (ligadas
a uma instituição ou não) realizam estes rituais cotidianamente ou em períodos
específicos do ano para: pedir bênçãos sem fim e, vez por outra, agradecer como
aponta a narrativa bíblica da cura de leprosos no Evangelho de Lucas 17.11-19.
Com efeito, diria que a oração é a
tentativa de um diálogo com o Mistério que acessamos com fé em busca de
alento, encorajamento, consolo, esperança para suportar momentos difíceis-terríveis
enfrentados na jornada da vida. Muitos fazem deste momento um processo de
autopromoção em busca de prestígio e sentimento de superioridade como
exemplificado em Lucas 18:9-14.
De
fato, neste contexto aponta José Comblin: “o problema é que as Igrejas
sempre levantam novas barreiras que expulsam, excluem todos os membros que não
se conformam com as regras e normas de prudência humana inspiradas pela vontade
de segurança. O problema não é que o mundo não se interessa pela mensagem de
Jesus. O problema é que a Igreja fecha as portas para muitos que se interessam
pelo povo de Deus, e não se interessam pelas normas, regras, ritos e obrigações."
Com efeito, suspeito que a oração se torna
extremamente relevante quando é compreendida como exercício de uma
espiritualidade diaconal da libertação, ou seja, me aproximar do Inefável não
pode ser algo antagônico ao encontro do humano em sua múltipla forma de existir,
isto é, seguindo Richard Shaull é significativo “orar, estudar e agir”.
Ora, segundo José Comblin: "os
cristãos não realizam a sua vocação de povo de Deus somente em assembleias de
oração. Devem entrar neste mundo e agir nele, para ajudar o surgimento do povo
de Deus no meio de todas as nações." Assim sendo, não se trata de um
processo civilizatório colonizador político-econômico, mas, uma ação libertadora
dos oprimidos que trazem em seus corpos as marcas do cativeiro desumanizador.
Pensando com Frei Betto, a oração
deve ser um diálogo, mas, o que Deus nos diz? Como faz isso? Temos feito
silêncio para discernir sua voz que é polifônica? Como sugere Santa Teresa d'Ávila “falais muito bem com outras
pessoas, por que vos faltariam palavras para falar com Deus?”.
Com efeito, se orar te faz bem, por
favor, não deixe de fazer essa prática, todavia, pense um pouco nisso: você não
é melhor do que ninguém pelos seus exercícios de espiritualidade; se sua oração
não te leva ao encontro do outro e a luta por uma sociedade mais equânime,
honestamente, suspeito, que você precisa se recriar nesse processo; há muita
fome no meu país (não pode juntar com a reza um punhado de farinha?); a oração
não é mágica que faz carros não capotarem ou curam (desprezando os inúmeros
profissionais da saúde ou o poder das folhas e raízes dos ancestrais).
Suspeito que se quero conhecer ao
Mistério que chamo de Deus preciso me humanizar cada vez mais. Não queira limitá-lo
ao seu templo denominacional achando que seu jardim é mais florido ou
perfumado. Que as suas frutas são as mais saborosas e os pássaros são mais
afinados por cantarem em seu coro institucional.
De fato, quem tem ouvidos para ouvir
escute o Rubem Alves quando diz: "ah! Então, Deus tem prazer no vento
fresco da tarde... Se Deus tem prazer no vento fresco da tarde, o vento fresco
da tarde é divino. Ser espiritual é gozar o vento fresco da tarde, gozar o
perfume dos jasmins, sentir o gosto das frutas, deleitar-se na forma e nas
cores das flores, amar as montanhas distantes, entregar-se ao frio da água das
cachoeiras, sentir o arrepio das carícias na pele. Deus amou tanto esse mundo
de prazeres que ele mesmo criou – melhor não poderia ter sido criado – que
resolveu tornar-se homem. Ser homem, de carne e osso, com olhos, ouvidos,
nariz, boca, pele, é melhor que ser espírito puro. Você quer ser espiritual?
Abra os olhos e ande pelo jardim. No universo inteiro não existe nada mais
divino...".
Muito boa e reflexiva porem ainda fiquei na dúvida , aliás não sei se o texto tivesse a intenção de dá respostas ... Quando questionamos o conteúdo da oração e a não realização , do apelo, pedido e até mesmo agradecimento... Paz !
ResponderExcluirOlá, Laise. Pois é, diante do Mistério nos aproximamos com fé e coragem em busca (e construindo) uma realidade mais justa e igualitária, ou seja, a mão que ora deve ser a mesma que promove paz, partilha e libertação. Há braços!
ExcluirNuma conversa (e necessitamos ter conversas de qualidade) a gente pergunta, afirma, responde, fala e fica quieto. Se oração é uma conversa com Deus, não havemos de ouvir suas respostas positivas e negativas? Gracias pela bela e profunda reflexão, Patriarca do Recôncavo. Paz e Bem!
ResponderExcluirFala meu Rev. Isso mesmo, as respostas nem sempre são o que gostaríamos de escutar. Vamos juntos orando e tentando ser sinais do Reino no solo brasileiro. Há braços!
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