Ninguém em sã consciência vai dizer que gostaria de sentir dor. Mas a vida nos traz dores, seja na primeira queda de bicicleta, ou na primeira decepção amorosa. O fato é que a dor, ou um momento de dor, nos faz enxergar um novo mundo. Estou vivendo a dor.
Durante o período de três dias, recentes, fiquei no corredor da emergência do Hospital Regional de Irecê aqui na Bahia. Sofri e chorei pela minha dor, mas observei e senti a dor de outras pessoas.
Eu nunca me imaginei em tal situação, porque, como diz uma amiga, "corredores com pessoas doentes em macas não deveriam existir no hospital". Mas eles existem!
Nesse corredor eu vi um jovem, que sofreu um acidente de moto por estar embriagado, sentindo dor em cima da maca. Eu ouvi sua promessa ao dizer que se tornaria pastor se tudo ficasse bem. Eu vi um pai, que parecia nunca ter entrado em um hospital, cuidar do seu jovem filho. Vi uma família se revezando e cuidando com amor do seu pai, marido e irmão.
Entre a quinta-feira e a sexta-feira, até às 21 horas, eu estive sozinha. Foi tudo muito rápido entre a internação na emergência em Tapiramutá e a regulação para Irecê, duas cidades do interior da Bahia. Rápido e muito desespera(dor).
Mas o mundo novo começou a surgir diante de mim quando eu vi uma amiga mobilizando sua irmã para me ver, ao saber que eu estava aqui sozinha. Vi outra amiga de infância contactando com sua amiga da faculdade, coincidentemente enfermeira nesse mesmo hospital. Uma mobilização para que houvesse uma visita. Ela veio, e foi o primeiro rosto não conhecido que eu vi. Ela me abraçou. Eu segurei as lágrimas e senti Deus naquilo.
A dor que estou vivendo mobilizou minha irmã, tão caseira, a viajar mais de 400km para me ver e cuidar das minhas tarefas. A mesma dor tirou minha amiga do feriado sagrado para vir ficar comigo no hospital e cuidar de mim nos dias que mais estive vulnerável, física e emocionalmente.
A dor mobilizou alguns amigos e amigas de caminhada na oração e na ação concreta do serviço cristão ao perguntarem o que de concreto eu estava precisando: dinheiro? suporte? contatos? A dor impulsionou uma amiga a movimentar outros amigos, como numa corrente, a antecipar, em uma clínica da rede privada, um exame que só teria vaga 25 dias depois.
Essa dor me despedaçou, porque, dores despedaçam a gente, mas a verdade é que a mesma dor nos faz repensar e ter um olhar diferente da vida e da vocação.
Todos nós já passamos e naturalmente vamos passar por momentos de dores, cada um de nós à sua maneira. E desses momentos teremos, claro, experiências e lições diferentes. Eu, por exemplo, pude notar que a amorosidade divina é presença presente nesses momentos, e que Deus, como mãe que cuida e acalenta, realmente nunca me deixou sozinha.
ELA, Deus, providencia amparo, conforto e faz grandes coisas. Ela providenciou lugar seguro para meu filho até que minha irmã chegasse. Ela, Deus, providenciou uma pessoa estranha que me abraçou como se eu fosse da família. E a pessoa, até então, estranha ao me perguntar sobre trabalho e ouvir dizer que eu era pastora, disse para mim: "a gente sente paz quando olha pra você". Eu me espantei: "Como? Você me abraçou enquanto eu estava desesperada". "Quem ficaria sozinha com serenidade em um lugar como esse", ela disse, "se não tivesse convicção da presença de Deus?". Bom, ela não sabia o quanto na verdade eu estava desesperada, fazendo ligações, pedindo orações, mesmo tendo fé em Deus!
Ela, Deus, foi que providenciou amigos e amigas com ações concretas! Ela providenciou alguém para cuidar de mim aqui dentro, alguém que veio e disse: "só saio do hospital junto contigo". Uma amiga mais que especial.
Ela, Deus, providenciou amor de todas as formas e todas as maneiras. A dor nos ensina o valor da família, da parceria ministerial, das verdadeiras amizades e do verdadeiro cristianismo.
Que a Trindade nos livre dos dias de aflição e que nos envie amparo para lidarmos com as dores que inevitavelmente surgirão.
Rev. Gabriela Santos
Bacharel em Teologia
Licenciada em Filosofia
Pastora da Igreja Presbiteriana Unida na congregação de Tapiramutá-Chapada.
P.S.: É... parece que às vezes um bucadinho de dor ( bucadinhooooooo com cara de tantão), nos ensina mais que os livros. Dor pedagógica. Ainda continuo hospitalizada e termino esse texto com dor.