Por: Cláudio Márcio[1]
Irmãos e Irmãs, Deus em sua infinita bondade
fez com que nos encontrássemos mais uma vez[2].
Hoje, dia de celebração, dia de festa! Dia de rememorar para avançar! Neste
sentido, é preciso refletir sobre a perspectiva da memória. Segundo o sociólogo
Renato Ortiz: “As
recordações não são nunca límpidas, cristalinas, elas repousam no fundo de uma
tela recoberta por camadas superpostas de tinta. Diz-se que o pentimento de um
quadro é o vestígio de uma composição anterior, as mudanças feitas pelo pintor,
seu arrependimento, encobrem os passos do desenho original. A trilha de seu
passado somente é revelada através de uma cuidadosa recuperação arqueológica.
Revelar o pentimento da memória é uma tarefa delicada, é preciso cuidadosamente
raspar a superfície visível de sua expressão, as marcas que encontramos,
ocultas à primeira vista, testemunham uma intenção apagada pelo tempo” (ORTIZ,
2010, p.7).
Conforme abaliza a teórica Ecléa Bosi: “a memória do indivíduo depende
do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a
igreja, com a profissão; enfim, com os grupos de convívio e os grupos de
referências peculiares a esse indivíduo” (BOSI, 1994, p. 54). E ainda: “... na
maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir,
repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado... A
lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa
disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual.
Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma
imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então
e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de
realidade e de valor. O simples fato de
lembrar o passado, no presente,
exclui a identidade entre as imagens de um e do outro, e propõe a sua diferença
em termos de ponto de vista” (BOSI, 1994, p. 55).
Assim sendo, a memória individual existe sempre a partir de uma
memória coletiva e a arte de lembrar é engajar uma imagem a outra. Esse será o nosso exercício
reflexivo nesta noite, isto é, desenvolver, construir e reconstruir o
avivamento da memória. Para isso é importante problematizar: O que queremos lembrar? Quais imagens seriam efetivamente
desafiadoras para nossa jornada? O Texto bíblico de
Lamentações 3.21 sugere que devo lembrar o que gera esperança. Logo, é preciso
lembrar que somos filhos da promessa de Deus! É preciso lembrar que Jesus
Cristo é o Senhor de nossas vidas, famílias e igreja. Torna-se importante ressaltar como diria o
nosso saudoso Reverendo João Dias de Araújo. “Deus nos convida para o grande
mutirão da construção do Reino de Deus”. Irmãos e Irmãs, nosso compromisso
feito com Jesus de Nazaré é de salgar e iluminar este mundo.
O que
queremos lembrar? Que o fenômeno religioso é cheio de ambivalências. O teólogo Rubem Alves falando sobre a religião
aponta que “ela se presta a objetivos opostos, tudo dependendo daqueles que
manipulam os símbolos sagrados. Ela pode ser usada para iluminar ou para cegar,
para fazer voar ou paralisar, para dar coragem ou atemorizar, para libertar ou
escravizar” (ALVES, 2003, p. 104). Sim, sabemos que no processo histórico por
vezes a cruz se transformou em espada. Quanto sangue derramado, não? Lembrança dolorosa que também nos
envergonha, uma vez que, a fé cristã atrelada a interesses civilizatórios e
imperialistas fez muito corpo sofrer-gemer. Todavia, para além das denúncias, é
preciso apontar para esperança. Como diz a canção de Cartola: “fim da
tempestade o sol nascerá”.
O que
queremos lembrar? Que no século XVI a fé reformada propõe aos humanos um reencontro com
o Divino e consigo mesmo. Um novo sujeito histórico com o livro na mão lançou
sementes revolucionárias do Evangelho de Cristo. Bendito seja o Senhor! O livro
chegou a nossas mãos. Entretanto, não foi fácil esse processo.
O que
queremos lembrar? Somos fruto do protestantismo de missão. Escolas, hospitais, jornais,
isto é, muitas foram as estratégias de adaptações ao novo território e ou
desejo de evangelização. Uma contribuição significativa em solo brasileiro.
Seria o suficiente? Parte da juventude presbiteriana teve contato com o
missionário Richard Shaull e numa rede muito mais
complexa, uma grande transformação se estabelecia.
O que
queremos lembrar? Queremos
rememorar a trajetória e influência de figuras como: Richard Shaull, Waldo César, Jaime Wright,
Paulo Stuart Wright,
João Dias de Araújo, Josué Melo, Áureo Bispo,
Celso Dourado, Ivan Mota Dias, Zwinglio M.
Dias, Rubem Alves, etc.
O que
queremos lembrar? Do Setor
de Responsabilidade Social da Igreja; Conferência do Nordeste; FENIP; IPU. O que queremos lembrar? Da criação
da AFAS (Associação Feirense de Ação
Social); SIM (Serviço de Integração
do Migrante); CEDITER (Comissão
Ecumênica de Direito a Terra). O que
queremos lembrar? Que pastores e padres trocavam seus púlpitos. Precisamos lembrar que
um de nossos pastores, a saber, o Rev. Josué Melo junto a um camarada pegou a
marreta para derrubar o muro que causava divisão no cemitério entre católicos e
protestantes.
O que
queremos lembrar? Da CESE
(Coordenadoria Ecumênica de Serviços) com sede em Salvador. Através do nome e vida da Reverenda Sônia Mota (Diretora Executiva desta instituição) registro a participação
de centenas de mulheres (Diaconisas, Presbíteras, Pastoras e eclesianas da
nossa amada IPU).
O que
queremos lembrar? Que a IPU é uma comunidade cheia de sonhos! Irmãos e Irmãs, os
desafios diante de nós são muitos. Precisamos atualizar a “agenda da IPU”. O
que temos a dizer sobre o extermínio da juventude negra no Brasil? Quantos
corpos ainda serão ceifados por serem homossexuais? Como encararemos um debate
sério e responsável sobre a descriminalização do aborto? Ter a presença de mulheres em nossas
lideranças significa necessariamente que não temos problemas de gênero em
nossas relações do cotidiano? Honestamente, não tenho respostas. Entretanto,
penso que precisamos como propôs Karl Barth “ter a Bíblia em uma mão e os
jornais na outra”.
O que queremos sonhar? Com o avivamento da memória. Como abaliza um
fragmento de Habacuque 3.2 “aviva,
ó Senhor, a tua obra no meio dos anos”. Queremos uma comunidade cada vez mais
frutífera, missionária, ética, subversiva, acolhedora. Uma comunidade que
aprendeu com Jesus de Nazaré a dizer aos que estão no caminho: fica de pé e
vai, ou seja, “não só a alma do mal salvar, também o corpo ressuscitar”.
O que
queremos sonhar? Com uma comunidade responsável, criativa, e com menos medo de encarar
os desafios. “Não to mandei eu? Esforça-te, e tem bom ânimo; não temas, nem
te espantes; porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares”
(Josué 1.9). Encerro essa
reflexão exaltando a Deus pela vida da IPU. Eu encontrei em cada braço, um
pouco do braço de Deus. Irmãos e Irmãs, grato pelo acolhimento. Coragem!
Avante, IPU.
[1]
Reverendo da Igreja
Presbiteriana Unida de Muritiba-BA.
[2] Como sugere Leonardo Boff “no
dito há sempre o não dito”, assim, este texto é parte do que foi refletido na
70ª AGO do Presbitério do Salvador em Governado Mangabeira-BA no dia 07-01-17,
com o título: AVIVA EM NÓS AS FORÇAS DA MEMÓRIA- AVANTE IPU!
Como é importante reavivar a memória daquilo que Deus preparou pra cada um dos seus filhos amados.
ResponderExcluirVerdade! Rememorar para avançar!
ExcluirParabéns, meu irmão! Excelente reflexão sócio-teológica. O evangelho que liberta é, também, aquele que salva a alma, mas sobretudo o que emancipa sócio-politicamente, isto porque deve ser concebidi num prisma descolonizador das consciências opressoras e pertencentes ao escopo das ideologias das classes dominantes. Portanto,a memória que deve ser avivada e da qual provém o avivamento, é a memória libertária que salva e emancipa quebrando os grilhões de todas as formas de opressão social. Grande Abraço!
ResponderExcluirParabéns, meu irmão! Excelente reflexão sócio-teológica. O evangelho que liberta é, também, aquele que salva a alma, mas sobretudo o que emancipa sócio-politicamente, isto porque deve ser concebidi num prisma descolonizador das consciências opressoras e pertencentes ao escopo das ideologias das classes dominantes. Portanto,a memória que deve ser avivada e da qual provém o avivamento, é a memória libertária que salva e emancipa quebrando os grilhões de todas as formas de opressão social. Grande Abraço!
ResponderExcluirIsso mesmo, Zeca! Fé que luta por justiça social, pois, o trono dEle é feito de justiça.Por um fazer teológico emancipatório. Amém! Abraçaço, parceiro.
ExcluirParabéns, mestre Cacau! Excelente reflexão. Cresci na Roça e desde criança acompanhava minha mãe em suas andanças. Com sol ou com chuva, todas às semanas eu caminhava quilômetros com minha mãe para uma Igreja que ficava numa comunidade bastante distante de nossa casa. Mesmo na infância eu já me sentia bastante provocado pela “vida”, mas, me bastava o certo ou errado dito pelos mais velhos. Na medida em que eu ia ficando mais velho às questões/provocações cresciam dentro de mim e insistiam em me acompanhar em minhas andanças. Uma das coisas boas na roça é que você encontra tempo durante as andanças entre um lugar e outro, sem muitas distrações. Aproveitava para refletir com os "matos", com as árvores, com os pássaros que me encantava com suas cores e seus cantos, eram momentos de alegria. Esses eram meus livros. Na época, não tinha acesso à livros ou mesmo pessoas que me ajudassem a compreender às provocações da vida, sobretudo em relação a religião. Por vezes respondiam, mas às respostas não me saciavam. Não tínhamos a cultura da leitura, pois, também não tínhamos livros. Na realidade tínhamos um livro, o único livro, considerado sagrado, vocês já sabem, era uma velha Bíblia. Nos ensinaram a ter o maior respeito, o maior cuidado, mas sobretudo obediência, medo. Só pegava para ler quando minha mãe pedia, pois ela não conhecia o mundo das letras, não era e ainda não é alfabetizada. Minha fé já não é mais a mesma. Não preciso caminhar muito para ir à uma Igreja ou espaço religioso. Às provocações ainda continuam. Parabéns, mestre Cacau! Obrigado, pelo abraço.
ResponderExcluirObrigado pela partilha, Elias. É desta maneira que vamos construindo saberes. Sigamos juntos em meio a fé e a dúvida. Sem medo de pensar e ou professar. Um forte abraço! Avante!
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