Tenho 34 anos de idade,
casado, cristão protestante, reverendo da Igreja Presbiteriana Unida na cidade
serrana do território do Recôncavo da Bahia, formado em Ciências Sociais pela
UFRB, professor na Educação de Jovens e Adultos (EJA), isso é, baiano,
nordestino, brasileiro e, não menos, como abalizou o cantor-poeta Belchior,
“sou apenas um rapaz latino-americano...”. Acionei algumas identidades de
maneira intencional e política, uma vez que, não há produção de discurso
neutro, ou seja, nas palavras do teólogo Leonardo Boff ocorre que, “no dito
fica sempre o não-dito, e todo ponto de vista será sempre a vista de um ponto”
(BOFF, 2010, p.105).
Desta maneira, toda
produção de conhecimento é sócio-histórico e situa-se em uma arena de disputas.
No campo da teologia não é diferente, isto é, quem estaria mais “autorizado” a
falar sobre os desígnios de Deus? Como uma percepção e ou representação de Deus
é construída? A quem interessa essa ou aquela imagem dEle? Como
refletir-dialogar com os que possuem experiências politeístas? Não é objetivo
deste texto responder, mas, levantar questões para pensar e problematizar
aquilo que, por vezes, é dado, é naturalizado.
Sabe-se que o fenômeno
religioso é extremamente complexo. Conforme o sociólogo Faustino Teixeira “um dos fenômenos que
marcam o século XXI é o reencantamento do mundo, ou seja, a presença
significativa da religião em toda parte. As teorias que consagravam a dinâmica
irreversível da secularização caem por terra, diante de uma nova ressurgência
da religião” (TEIXEIRA, 2014, p.13), isto é, o processo de desencantamento do
mundo anunciado por Max Weber e outros intelectuais, em que a partir da
racionalidade se daria conta de explicações científicas para um mundo mágico-religioso
teve êxito “parcial”.
Seria no mínimo falso negar que o
processo de transição de um paradigma societário teocrático, feudal e rural
para um antropocrático, urbano e industrial, não geraria outro sujeito social,
assim como, outra percepção para o fenômeno religioso. Foram modificações
significativas que a modernidade, o advento da produção científica, o avanço
tecnológico desenvolveu na contemporaneidade, logo, um discurso sobre Deus
ainda é possível no século XXI? Se sim, o que Ele representa hoje
e para quem?
Cabe ressaltar que a
perspectiva de processo implica necessariamente a ambivalência
mudar-permanecer, assim, a racionalidade diminuiu o grau de fantasia do mundo,
mas, não a eliminou totalmente, pois, a religião produz sentido na caminhada
das pessoas, ou seja, “a religião, enquanto ‘teia de sentidos’ firma-se com
vigor nesse tempo de incertezas e inseguranças. Não há como viver no mundo social
sem ordenação e significado” (TEIXEIRA, 2014, p.14).
Com efeito, fui aluno do Rev. João Dias
de Araújo e tive a rica oportunidade na transição da igreja batista para a
presbiteriana de me aproximar de sua percepção teológica. Desta forma, ele se
tornou meu tutor, meu pastor e amigo. No STBNe na cidade de Feira de Santana
fui bastante influenciado por pessoas como: Marcos Monteiro, Jorge Nery, Eliabe
Barbosa, Ágabo Borges e uma brilhante experiência com a FTL-Ne, a Igreja Batista de Bultrins
em Pernambuco e a Igreja Batista do Pinheiro em Maceió. Meus olhos se abriram
para outra realidade.
No seminário ao ouvir falar da Teologia
da Libertação fui cativado por essa possibilidade de uma produção teológica a
partir do pobre latino-americano. Com o tempo, foi necessário perceber questões
de gênero, de raça, de sexualidade e, não menos, demandas etárias precisavam
ser acionadas junto à categoria pobre. Desta forma, “não se trata de uma
libertação apenas do pecado (do qual sempre nos devemos libertar), mas de uma
libertação que também possui dimensões históricas (econômicas, políticas e
culturais)” (BOFF, 2010, p. 35).
Confesso que foi a partir da Igreja
Presbiteriana Unida que conheci uma abordagem de um “protestantismo subversivo”
em solo brasileiro. Tenho me dedicado a leitura de alguns autores como: Richard
Shaull, Waldo César, Jaime Wright, Paulo Stuart Wright, João Dias de Araújo, Zwinglio
M. Dias, Rubem Alves, ou seja, como abaliza Boff: “porque a Igreja vive esta
contradição, sempre é possível nela a irrupção do profeta e do espírito
libertário que a faz se encaminhar na direção daqueles grupos que buscam
relações mais justas na História e se organizam nos marcos de uma prática
revolucionária” (BOFF, 2010, p. 235).
Essa dimensão e ou característica
profética do protestantismo me desafia bastante, logo, torna-se inevitável o
interesse pelo tema do ecumenismo, do diálogo inter-religioso e de uma fé cristã
reformada que precisa dialogar não apenas com o saber científico e popular,
mas, assumir lutas nos diversos movimentos sociais que clamam por justiça nas
esquinas e praças de cidade.
Utilizo-me ainda das palavras da
historiadora Elizete da Silva que sinaliza: “ao longo da História, a religião
interagiu com diversos movimentos sociais, ora legitimando-os ora
condenando-os, ou se omitindo, como se a devoção ou a espiritualidade eximisse
os fiéis de intercursos sociais. Por mais absenteístas ou contemplativos que
sejam os grupos religiosos, relações de poder, utopias e anseios de
transformações sociais também atingem crentes que aspiram ao Paraíso ou à
Eternidade. (SILVA, 2014, p. 94).
O cientista da religião
Jorge Pinheiro abaliza: “continuamos a nos pautar por dogmáticas além-mar,
cânones que não podiam ser contestados. Este jeito estrangeiro de ser
protestante brasileiro marcou gerações e fez de nós estranhos no ninho”
(PINHEIRO, 2008, p.12), ou seja, não se trata de negar a produção teológica da
Europa ou dos EUA, mas, construir e fortalecer uma reflexão a partir do nosso
chão, das nossas dores e anseios. Precisamos de um Deus brasileiro! É possível
pensar Deus no Brasil sem uma linguagem que passe pelo samba, futebol e
carnaval? No caso específico do território do Recôncavo: Deus não jogaria
capoeira, iria ao samba de roda e ou sentiria a vibração positiva do reggae?
Finalizo com o teólogo
Rubem Alves falando sobre a religião: “Ela se presta a objetivos opostos, tudo
dependendo daqueles que manipulam os símbolos sagrados. Ela pode ser usada para
iluminar ou para cegar, para fazer voar ou paralisar, para dar coragem ou
atemorizar, para libertar ou escravizar” (ALVES, 2003, p. 104).
Em minha experiência
com Deus, assim como, meu pensar teológico, defendo uma fé engajada e
libertadora, uma vez que, como sugere o evangelho de Mateus nas bem
aventuranças: “felizes os que tem fome e sede de justiça”. Não tenho respostas
para tais questionamentos, todavia, não tenho medo de pensar.
Muritiba, cidade serrana do Recôncavo da Bahia, 26-05-17.
Cláudio Márcio
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
ARAÚJO, João Dias de. Inquisição sem Fogueiras: a história sombria
da Igreja Presbiteriana do Brasil. 3ª edição, São Paulo: Fonte Editorial,
2010.
__________. O Cristo brasileiro: a teologia do povo. São Paulo: ASTE,
2012.
BOFF, Leonardo. Igreja: Carisma e Poder. 2° ed. Rio de Janeiro. Record, 2010.
PINHEIRO, Jorge. Deus é Brasileiro: as brasilidades e o reino de deus. São Paulo,
Fonte Editorial, 2008.
SILVA, Elizete da. Protestantismo Ecumênico e realidade brasileira: evangélicos
progressistas em Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS Editora,
2010.
__________. Religião e movimentos sociopolíticos: entre a devoção e a insurreição.
In: SILVA, Elizete. NEVES, Erivaldo Fagundes (Organizadores). Cultura,
Sociedade & Política: ideias, métodos e fontes na investigação histórica.
Feira de Santana: UEFS Editora, 2014.
TEIXEIRA, Faustino. Cristianismo e diálogo inter-religioso. São Paulo: Fonte Editorial,
2014.