sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Resenha: O Suicídio de Durkheim

DURKHEIM, Émile. O Suicídio. São Paulo, Martin Claret, 2008.

Todos nós caminhamos numa linda passarela de uma aquarela como afirmou Toquinho, mas muitos apenas percorrem a trajetória e aceitam passivamente suas cores. Nada pintam, não desenham, não rabiscam, sem sequer apagam. São indivíduos que lêem o mundo na superficialidade, na pura e vaga aparência, e por isso mesmo tornam-se alienados, submissos, incapazes de transformar sua própria realidade. Por outro lado, existem pessoas que numa folha qualquer desenham o sol amarelo e, a partir daí constroem castelos e com um simples compasso, em um giro, transformam o mundo. Emile Durkheim (pai da sociologia) está classificado nesse último grupo, visto que suas pesquisas mudaram o conceito de se pensar o social na sua época.

Com efeito, em sua obra O Suicídio aponta inicialmente que definir o suicídio seria supérfluo, visto que as palavras carregam sempre um teor ambíguo e analisá-lo cientificamente mediante um olhar aparente, ou seja, do senso comum, sem buscar a sua essência, geraria profundas confusões. Daí, a necessidade de comparar para explicar. “Assim, uma investigação científica só pode atingir o seu objetivo se se refere a fatos comparáveis, e tem tanto mais probabilidade de êxito quanto mais certa esteja de reunir todos os que podem ser comparados de maneira eficaz” (p.11). Lembremos que Durkheim vivia no contexto onde o positivismo era o método utilizado para se fazer ciência. Dessa forma, a comparação era a demonstração para validar, apresentar como verdade, as provas colocadas pelas ciências, nesse caso as ciências sociais. Além disso, os fatos sociais deveriam ser tratados como coisas, como uma realidade externa aos indivíduos, rompendo com conceitos preconcebidos e então investigando as relações causa/efeito e regularidades para que se descubram leis e regras de ação para o futuro.

Sua grande relevância para os estudos sociológicos foi demonstrar que o suicídio para além de uma ação individual é fruto de uma concepção social, uma questão que envolve o coletivo. Nesse sentido, ainda que os humanos vejam a si mesmos como indivíduos que têm liberdade de arbítrio e de escolha, seus comportamentos são frequentemente padronizados e moldados socialmente. O suicídio seria dessa forma, toda morte que resulta mediada ou imediatamente de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima, porém, tomando como ponto mediador o fator externo, que conforme o autor estaria muito mais definindo as causas de morte do que a própria ação individual. Cabe ressaltar que a causa atribuída anteriormente ao suicídio era derivada da subjetividade. Ou seja, teorias psicológicas que refletiam sobre o medo, a culpa, a frustração... Entretanto, Émile Durkheim, tentou mostrar que esses fatores psicológicos também eram construídos no viver social e por isso mesmo o suicídio não poderia ser pensado nos aspectos psicológicos isolados do contexto. Isto é, teorias sociológicas buscam a explicação na influência das pressões sociais e culturais sobre o indivíduo. Daí, o autor defende que “cada sociedade tem, portanto, em cada momento de sua história, uma aptidão definida para o suicídio. (p.19)

Desta maneira, as causas de morte situam-se muito mais fora de nós, e, apesar dos distintos interesses envolvidos em cada ato suicida, o ponto comum centra-se no fato de que quando a vítima, no momento em que comete o ato que deve dar cabo de seus dias, sabe com toda a certeza o que normalmente deve dele resultar. Dessa forma, o suicídio pode ser um ato de coragem, de devoção, de melancolia e até mesmo de desespero, contudo, todos esses fatores estão associados de certa forma, ao grau de integração da sociedade, seja no âmbito religioso, familiar e político.

Deste modo, o objetivo de Durkheim era buscar as condições de que depende esse fato distinto, o qual chamamos de taxa social de suicídio. Logo, o sociólogo deve procurar as causas por meio das quais é possível agir, não sobre os indivíduos isoladamente, mas sobre o grupo. Portanto, sua análise parte dos fenômenos (causas extras sociais) sob a ótica da generalidade, da natureza das causas sociais (diversos suicídios) e por fim da tendência coletiva (suas relações com outros fatos sociais).

Outro destaque importante apresentado pelo autor foi a lógica do determinismo racial e geográfico sobre as margens do suicídio. No primeiro aspecto, Durkheim desenvolve a ideia de que a teoria que faz da raça um fator importante de tendência para o suicídio, a qual admite que tal ato é hereditário, orgânico, encontra-se equivocada, pois o suicídio não é hereditário, apenas o temperamento adquirido pode predispor o indivíduo a cometer um suicídio, mas é o meio que influenciará ou não a cartada final. Semelhantemente, no que tange ao aspecto clima, não há uma estação mais favorável ao suicídio do que a outra, sobretudo, o clima não oferece influência alguma. Logo, a influência do calor ou do frio nada prova, pois, o suicídio atinge o valor máximo nos dias em que a atividade social é máxima, ou seja, as variações mensais do suicídio dependem, portanto, de causas sociais.

Como determinar as causas? Uma vez que as razões presumidas dos suicídios são suspeitas? Daí, o único método praticável consiste em classificar os suicídios segundo um conjunto de outros acontecimentos sociais concomitantes.

Desta maneira, o autor sinaliza que no protestantismo (devido à liberdade), há mais suicídio do que no catolicismo, entre o casal o homem comete mais do que a mulher (devido á maior quantidade de relacionamentos). Partindo desse pressuposto, para ele não há suicídio, e sim suicídios, uma vez que o suicídio é sempre o ato de um homem que prefere a morte em detrimento da vida. Porém, as causas podem ser diferentes. Mas, não basta demonstrar que essas diferenças existem, e sim identificar em que consistem.

Desta forma, Durkheim apresenta o suicídio como um fenômeno coletivo. Logo, o suicídio egoísta que se caracteriza pela melancolia (não estou nem aí para a sociedade/ sente-se inútil, isolado), o suicídio altruísta que se caracteriza pela renúncia ativa/ heroísmo (em perigo, impelido por um determinado sentimento) e por fim o suicídio anômico que se caracteriza pela fadiga exasperada (processo de turbulência muito grande as regras são suspensas/ medo do dia de amanhã).

É em meio a tal constatação que a coesão, a vitalidade das instituições, a intensidade da solidariedade manifesta no grupo religioso, os laços que unem a família, os indivíduos e a sociedade política são vistos como instrumentos de contribuição para evitar o suicídio. O suicídio altruísta, por exemplo, (altamente interessado à sociedade propondo-se a morrer por ela) é visto como um dever que se não for cumprido, é punido com desonra, perda da estima pública ou por castigos religiosos. É a elevada integração social dos indivíduos que levam eles a cometerem este tipo de suicídio. Não é a toa que muitos jovens, recém-casados, repletos de vigor perante a vida, se colocaram à disposição na Primeira Guerra Mundial, lançados diante do amor à pátria, filhos do nacionalismo ensinado severamente nas escolas desde os primeiros anos de estudo.

Da mesma forma ocorre com o suicídio anômico (ausência de conforto e segurança, tentativa de manter certa estabilidade). Este se deve a um estado de desregramento social no qual as normas estão ausentes ou perderam o respeito. Ou seja, o sentimento de interdependência se amortece, as relações são precárias e as regras são indefinidas e vagas.

É por isso que Durkheim afirma que as particularidades individuais não explicam a taxa social do suicídio. Os fatos mais diversos e mesmo os mais contraditórios da vida podem servir igualmente de pretexto para o suicídio, nenhum deles é causa especifica, mas todos estão ligados à fatores construídos e difundidos socialmente. Logo, a taxa social dos suicídios só se pode explicar sociologicamente e a tendência para esta prática nasce da constituição moral do grupo.

A alternativa sinalizada seria que só estaremos imunizados contra o suicídio se estivermos socializados. Porém, não é a sociedade política (distante do indivíduo), nem a religiosa (socialização que se dá retirando a liberdade de pensar), nem a familiar (solteiros e casados cometem suicídio). Mas sim, uma sociedade coesa, onde os ideais morais sejam constantemente revividos, relembrados, e acima de tudo uma sociedade em que os indivíduos assumam seu papel de colaborador, uns com os outros, se conformando com as desigualdades que são naturais e trabalhando de forma solidária, cada qual desempenhando seu papel social, inclusive as instituições.

O clássico de Émile Durkheim, O suicídio mostra a relevância do método sociológico. Sabe-se que cada autor é fruto do seu tempo. Seu trabalho foi paradigma de conexão de teorias e informações, espantou as pessoas de seu momento por sua inovação na fabricação de trabalhos sociológicos e, sobretudo científicos.

No entanto, evidentemente que não comporta em nossa sociedade a interpretação de que as mulheres divorciadas se matam menos que os homens (por necessidades sexuais) e ou que a vida mental da mulher é menos desenvolvida que a do gênero masculino. Também a “ordem” positivista de Dukheim não se encaixa em nossos dias, onde é através dos movimentos sociais que encontramos também o processo de emancipação dos direitos humanos. Aliás, o que seria ordem? É aceitar a subjugação ditada por um determinado grupo? Acredito que não! Naturalizar as desigualdades sociais é alienar-se perante uma estrutura fundamentada na existência eterna de uma classe dominante sempre exploradora e de uma classe dominada fiel à sua responsabilidade social. Por outro lado, a influência do evolucionismo é também muito evidente em sua obra. Logo, pensar no “civilizado” e ou superior seria etnocêntrico, uma vez que entre sociedades diferentes uma demanda significativa em nossos dias é a igualdade e o respeito às diferenças sócio-culturais.

A ciência é essa construção e reconstrução de teorias. Na verdade, prática e teoria se alimentam e retroalimentam em um movimento dialógico, e assim novos métodos também são elaborados para responder às demandas da compreensão do real. Evidente que hoje, com a sociologia crítica, novas concepções são destacadas, mas nem por isso o trabalho de Durkheim deve ser desconsiderado. Ele fez chover... mas com dois riscos também podemos fazer um guarda-chuva.

Um comentário:

  1. Muito ótima sua resenha, alcançou muito bem a essência do livro, muita bem escrita também.

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