quinta-feira, 10 de março de 2011

DESENHANDO E PINTANDO CACHOEIRA ATRAVÉS DAS PALAVRAS...


Quanto mais eu sonho

com Cachoeira

mais amanheço em Nove York

Damário da Cruz

Ruas apertadas, casas antigas, trem na ponte, velhos nas praças, acarajé nas esquinas, filarmônicas centenárias, pesca e banho no rio, jogar bola e tomar cerveja no porto, ir ao culto, ao terreiro ou à missa no domingo, cuidar da casa e ir para o salão, ser conhecido pelo nome de seus pais, jogar capoeira e celebrar a vida...

Desemprego, violência, drogas, intolerância religiosa, racismo, analfabetismo, desigualdade social, corrupção, pedofilia, caos na saúde pública e esperança para que a vida seja celebrada...

Pensar na cidade heróica de Cachoeira é perceber sua força na pluralidade cultural, sua riqueza histórica, sua capacidade de se reinventar na sociedade. Esta última, marcada por suas regras, seus simbolismos, sua gente, suas conquistas e seu saudosismo.

Uma cidade banhada pelo Rio Paraguaçu no Recôncavo Baiano, que recebia navios de alto mar no princípio do século XX. Um importante centro da cultura afro-brasileira. Charmosa. Possui um acervo artístico impressionante, os museus, as poesias, as telas, os artistas... Seu fiel e eterno poeta Damário da Cruz! Criador do Pouso da Palavra - um apaixonado pela cidade. O pouso reúne diversas obras da literatura brasileira e mundial, seus livros, suas poesias e suas fotos além de cordéis e obras de arte. Com um quintal aconchegante e quinquilharias e camisetas pintadas à mão, o Pouso é um espaço de descanso e reflexão.

Seu sítio arquitetônico que contempla: a estação de trem, a ponte do caminho de ferro, a qual atravessa o rio e que chegou da Inglaterra em peças, depois de ter sido desviada do seu destino original, o Egito, negócio tratado pessoalmente pelo imperador D. Pedro II. Há também Igrejas riquíssimas algumas delas do barroco tardio, as antigas fábricas de charutos, que hoje se transformaram em salas de exposição de obras de arte e fotografias, movimentos populares, festas de largo, diversidade religiosa, festas juninas, samba de roda, forte reggae festejado em diversas partes do Estado brasileiro... E o que dizer de seus belos casarões e edifícios que testemunham ainda a opulência e a ostentação da riqueza colonial, que chegaram a Portugal sob a forma de palacetes e mansões e ainda resistem ao tempo, encantando a todos que passam?

Ou seja, Cachoeira é um misto de percepções e vivências entre belo e feio, caos e ordem, progressista e fundamentalista, guerra e paz, sagrado e profano, justo e injusto, moderno e clássico, riqueza e pobreza e tantas outras dicotomias que contam uma história de escravidão, mas acima de tudo de luta e resistência.

Por estar localizada às margens rio Paraguaçu, a cidade encontra-se em uma região privilegiada para o plantio. Desde o início, desenvolveu a cultura da cana-de-açúcar e do tabaco, produtos de exportação que impulsionaram o potencial econômico da cidade. O impulso ao progresso deu-se pelo privilegiado Porto da Cachoeira, que fazia a ligação entre o Recôncavo e o Sertão na união das riquezas: gado e ouro.

Termino assim com a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, importante manifestação sincrética religiosa da Bahia que une rituais católicos com elementos do culto afro-brasileiro e que atrai muitos turistas e pesquisadores da área. Surgiu nas senzalas, há cerca de 150 anos e tinha como objetivo de alforriar negros ou lhes dar fuga, mas com o fim da escravidão, as senhoras que participavam do movimento se aproximaram da Igreja, fundando a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. A festa é comemorada no período de 13 a 15 de agosto. Nesse período Cachoeira dança nas ruas com os orixás, carrega seus santos católicos e enfeita-se para esperar a Boa Morte passar.

Fraternalmente, Rev. Cláudio Márcio

quinta-feira, 3 de março de 2011

Mesa da Fraternidade


“Estamos aqui, Senhor,
Cercando esta mesa comum.
Trazendo idéias diferentes,
Mas em Cristo somos um.”

(Campanha da Fraternidade)

Neste domingo (27/02/11), pela manhã, a nossa comunidade (IPU) em Muritiba, viveu uma experiência muito significativa. Pois, o discurso e a prática se encontraram gerando crescimento e ou amadurecimento de cada um de nós como participantes do Reino de Deus. Desta maneira, Rubem Alves (1979) sinaliza que “o Reino de Deus é o primeiro e mais fundamental dogma da fé cristã... Os profetas foram reformadores religiosos que exigiam ação social. Não discutiam sobre a santidade, de forma abstrata, mas social.”

Assim, a vocação profética nos faz entender que a igreja tem a obrigação, desenvolver pronunciamentos sobre as questões sociais, uma vez que o Reino de Deus propõe justiça e dignidade humana neste chão onde estamos inseridos. Pois, para Bonhoeffer, “o cristão é convocado a participar dos sofrimentos de Cristo”, isto é, “o cristão não tem o peso só dos seus problemas, mas também o da humanidade.”

Segundo Bourdieu (1974) “o poder sacerdotal se impõe dentro da comunidade religiosa”. Logo, este símbolo de partilha e diálogo entre religiosos à mesa da fraternidade, pode e deve ser desenvolvido como efetivação da paz e exercício contra toda intolerância religiosa.

Desta forma, eu e Paulo Roberto (amigo, irmão, cristão católico e estudante de Ciências Sociais da UFRB), falamos a partir da leitura das bem aventuranças e os desafios que o texto oferece à nossa caminhada. Logo, muitas inquietações surgiram e o desejo profundo de outro modelo de comunidade de Cristo que seja mais acolhedor e mais profético a favor da justiça, da vida e do bem comum.

Evidentemente que ao estudarmos sobre o Reino de Deus, sobre ser discípulo (sal e luz do mundo), sentimos a necessidade de assumirmos um compromisso muito maior com Jesus de Nazaré e sua mensagem de salvação-libertação ao humano contra todo domínio que oprime e marginaliza homens e mulheres no viver social.

Daí, a necessidade de dizermos SIM ao projeto de Jesus de Nazaré, e de entendermos que a espiritualidade passa obrigatoriamente pela dimensão da diaconia e, acima de tudo, da inquietação de nos lançarmos de uma forma mais radical como agentes de transformação social que traduzem a sua fé em práxis libertadora.

No entanto, acreditamos que este projeto se dá através do sopro do Espírito que motiva e acompanha o humano no mundo e o comprometimento (a garra, o esforço a cruz nossa de cada dia), somente assim é que outro paradigma de Igreja se torna possível. Nesse sentido, através da bíblia em diálogo com outras leituras e ou outras vivências, sentamos à mesa da fraternidade para semear esperança e reafirmar nosso compromisso com o Criador.

É importante ressaltar que para o sociólogo Dominico De Masi, “Entre duas pessoas existe a possibilidade de diálogo se suas idéias em parte coincidem e em parte não coincidem. Se discordarmos sobre tudo, não se pode discutir... Se, ao contrário, concordarmos sobre tudo, não vale a pena discutir.”

Na nossa reflexão parceiros como: Martin Luther King, D. Hélder, Frei Betto, Rev. João Dias, Rev. Jaime Wright, São Francisco De Assis, Che Guevara, Karl Marx, Gandhi e outros foram indispensáveis para o nosso diálogo na escola dominical. Deste modo, sei que estamos cumprindo o que Cristo nos ensinou em João 17.21 que nos diz:Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.”

Sendo assim, esta experiência da mesa da fraternidade encheu o nosso coração de alegria e de esperança para juntos lutarmos pela construção do Reino de Deus que efetivamente traz uma nova ordem onde a vida está em primeiro plano, onde a lua novamente é dos namorados, onde os velhos curtirão as praças...como diz o texto de Zacarias 8.5 E as ruas da cidade se encherão de meninos e meninas, que nelas brincarão.”

Dessa forma, o desafio que temos como cristãos é de repartimos o pão, de estendermos a mão, de ouvir, de falar, de participar de forma mais efetiva deste projeto do Reino, onde homem e mulher tornam-se mais humanos pelo fato de serem melhores a cada manhã, de serem gratos pela existência e de serem inquietos e teimosos enquanto não viverem outra realidade, outro modo de ser no mundo, outro modelo de viver a fé.

Ou seja, chega de religiosidade que mata e oprime. Chega de acúmulo de riquezas, chega de espiritualidade vazia... É tempo de esperança, é tempo de resssignificação de valores e ou modos de ver e viver no mundo, é tempo de sentarmos à mesa da fraternidade e comermos do pão e bebermos do vinho e ou se preferir (como nordestinos), comermos tapioca e bebermos licor.

Fraternalmente, Rev. Cláudio Márcio