segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

SOBRE CURA E AMOR...

Por: Cláudio Márcio[1]
“Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três; mas o maior é o amor” 
(1 Cor. 13.13).

Há uma canção da banda de Reggae Ponto de Equilíbrio que sugere que devemos estar “armados com a cura e o amor\ regue a vida com mais amor”. Achei extremamente pertinente essa perspectiva por duas razões. A primeira diz respeito aos discursos de ódio no campo da religião e da política em solo brasileiro, o qual tem se acirrado gerando feridas múltiplas em diversos sujeitos sociais, isto é, a capacidade de alteridade e busca de diálogo tem (por vezes) se fragilizado como se o OUTRO fosse um “inimigo a ser eliminado”. Já a segunda razão refere-se a um estímulo externo, haja vista que acabo de ler a Autobiografia de Martin Luther King organizado por Clayborne Carson.
Ora, escutei esses dias meu amigo o presbítero-seminarista Júnior Amorim dizer: “a armadura de Golias não serve para Davi”. É verdade! Qual tem sido nossa armadura? Não estou falando de “batalha espiritual” e ou “soldados de Cristo” na maioria das vezes promovido por neopentecostais perante grupos do campo religioso afro-brasileiro[2]. O que é lamentável e inadmissível! Suspeito que é preciso aprender a sentar-se à mesa da partilha, da solidariedade, do respeito mútuo, uma vez que, o OUTRO (também) sou EU.
Confesso que uma das coisas que mais me chamaram a atenção na leitura da autobiografia supracitada foi a não figura heróica e poderosa, mas, a humana cheia de limitações. Perceber nas cartas de Martin Luther King, os medos, as indecisões, as frustrações, as decisões equivocadas... O que estou dizendo é que em meio ao “mar furioso” do racismo americano foi possível contribuir de maneira relevante para construção dos direitos civis dos negros (as).
Temos desafios incontáveis na família, na política, no trabalho e, não menos, na comunidade de fé. Qual será nossa armadura hoje? Seremos capazes de perdoar mais uma vez? Tentaremos outra vez reinventar a jornada? Irmãos e Irmãs que compõem as igrejas locais do Presbitério do Salvador sejam fortes! Tenham coragem! É com muita gratidão que agradecemos ao Senhor pelo que foi feito por muitas mãos... É com gratidão que nos colocamos disponíveis ao serviço do Senhor desejando com todas as nossas forças que a cura e o amor sejam efetivamente realidades em nosso cotidiano. Como abaliza a oração de São Francisco: “onde houver ódio que eu leve o amor”. Sim, a cura e o amor são dimensões revolucionárias. É com Jesus de Nazaré que aprendemos a defender e celebrar a vida, logo, vos aconselho irmãos e irmãs: “regue a vida com mais amor”.



[1]  Reverendo da Igreja Presbiteriana Unida de Muritiba (Recôncavo da BA).
[2] Para uma melhor compreensão ver: Vagner Gonçalves da Silva (Org) Intolerância Religiosa: Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro.
Art Suzart
 

sábado, 21 de janeiro de 2017

SOBRE MEMÓRIA E AVIVAMENTO...

Por: Cláudio Márcio[1]
 Irmãos e Irmãs, Deus em sua infinita bondade fez com que nos encontrássemos mais uma vez[2]. Hoje, dia de celebração, dia de festa! Dia de rememorar para avançar! Neste sentido, é preciso refletir sobre a perspectiva da memória. Segundo o sociólogo Renato Ortiz: “As recordações não são nunca límpidas, cristalinas, elas repousam no fundo de uma tela recoberta por camadas superpostas de tinta. Diz-se que o pentimento de um quadro é o vestígio de uma composição anterior, as mudanças feitas pelo pintor, seu arrependimento, encobrem os passos do desenho original. A trilha de seu passado somente é revelada através de uma cuidadosa recuperação arqueológica. Revelar o pentimento da memória é uma tarefa delicada, é preciso cuidadosamente raspar a superfície visível de sua expressão, as marcas que encontramos, ocultas à primeira vista, testemunham uma intenção apagada pelo tempo” (ORTIZ, 2010, p.7).
Conforme abaliza a teórica Ecléa Bosi: “a memória do indivíduo depende do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profissão; enfim, com os grupos de convívio e os grupos de referências peculiares a esse indivíduo” (BOSI, 1994, p. 54). E ainda: “... na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado... A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de realidade e de valor.  O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e do outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista” (BOSI, 1994, p. 55).
Assim sendo, a memória individual existe sempre a partir de uma memória coletiva e a arte de lembrar é engajar uma imagem a outra. Esse será o nosso exercício reflexivo nesta noite, isto é, desenvolver, construir e reconstruir o avivamento da memória. Para isso é importante problematizar: O que queremos lembrar? Quais imagens seriam efetivamente desafiadoras para nossa jornada?  O Texto bíblico de Lamentações 3.21 sugere que devo lembrar o que gera esperança. Logo, é preciso lembrar que somos filhos da promessa de Deus! É preciso lembrar que Jesus Cristo é o Senhor de nossas vidas, famílias e igreja.  Torna-se importante ressaltar como diria o nosso saudoso Reverendo João Dias de Araújo. “Deus nos convida para o grande mutirão da construção do Reino de Deus”. Irmãos e Irmãs, nosso compromisso feito com Jesus de Nazaré é de salgar e iluminar este mundo.
O que queremos lembrar? Que o fenômeno religioso é cheio de ambivalências. O teólogo Rubem Alves falando sobre a religião aponta que “ela se presta a objetivos opostos, tudo dependendo daqueles que manipulam os símbolos sagrados. Ela pode ser usada para iluminar ou para cegar, para fazer voar ou paralisar, para dar coragem ou atemorizar, para libertar ou escravizar” (ALVES, 2003, p. 104). Sim, sabemos que no processo histórico por vezes a cruz se transformou em espada. Quanto sangue derramado, não? Lembrança dolorosa que também nos envergonha, uma vez que, a fé cristã atrelada a interesses civilizatórios e imperialistas fez muito corpo sofrer-gemer. Todavia, para além das denúncias, é preciso apontar para esperança. Como diz a canção de Cartola: “fim da tempestade o sol nascerá”.
O que queremos lembrar? Que no século XVI a fé reformada propõe aos humanos um reencontro com o Divino e consigo mesmo. Um novo sujeito histórico com o livro na mão lançou sementes revolucionárias do Evangelho de Cristo. Bendito seja o Senhor! O livro chegou a nossas mãos. Entretanto, não foi fácil esse processo.
O que queremos lembrar? Somos fruto do protestantismo de missão. Escolas, hospitais, jornais, isto é, muitas foram as estratégias de adaptações ao novo território e ou desejo de evangelização. Uma contribuição significativa em solo brasileiro. Seria o suficiente? Parte da juventude presbiteriana teve contato com o missionário Richard Shaull e numa rede muito mais complexa, uma grande transformação se estabelecia.
O que queremos lembrar? Queremos rememorar a trajetória e influência de figuras como: Richard Shaull, Waldo César, Jaime Wright, Paulo Stuart Wright, João Dias de Araújo, Josué Melo, Áureo Bispo, Celso Dourado, Ivan Mota Dias, Zwinglio M. Dias, Rubem Alves, etc.
O que queremos lembrar?  Do Setor de Responsabilidade Social da Igreja; Conferência do Nordeste; FENIP; IPU. O que queremos lembrar? Da criação da AFAS (Associação Feirense de Ação Social); SIM (Serviço de Integração do Migrante); CEDITER (Comissão Ecumênica de Direito a Terra). O que queremos lembrar? Que pastores e padres trocavam seus púlpitos. Precisamos lembrar que um de nossos pastores, a saber, o Rev. Josué Melo junto a um camarada pegou a marreta para derrubar o muro que causava divisão no cemitério entre católicos e protestantes.
O que queremos lembrar?  Da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviços) com sede em Salvador.  Através do nome e vida da Reverenda Sônia Mota (Diretora Executiva desta instituição) registro a participação de centenas de mulheres (Diaconisas, Presbíteras, Pastoras e eclesianas da nossa amada IPU).
O que queremos lembrar? Que a IPU é uma comunidade cheia de sonhos! Irmãos e Irmãs, os desafios diante de nós são muitos. Precisamos atualizar a “agenda da IPU”. O que temos a dizer sobre o extermínio da juventude negra no Brasil? Quantos corpos ainda serão ceifados por serem homossexuais? Como encararemos um debate sério e responsável sobre a descriminalização do aborto?  Ter a presença de mulheres em nossas lideranças significa necessariamente que não temos problemas de gênero em nossas relações do cotidiano? Honestamente, não tenho respostas. Entretanto, penso que precisamos como propôs Karl Barth “ter a Bíblia em uma mão e os jornais na outra”.
 O que queremos sonhar? Com o avivamento da memória. Como abaliza um fragmento de Habacuque 3.2 “aviva, ó Senhor, a tua obra no meio dos anos”. Queremos uma comunidade cada vez mais frutífera, missionária, ética, subversiva, acolhedora. Uma comunidade que aprendeu com Jesus de Nazaré a dizer aos que estão no caminho: fica de pé e vai, ou seja, “não só a alma do mal salvar, também o corpo ressuscitar”.
O que queremos sonhar? Com uma comunidade responsável, criativa, e com menos medo de encarar os desafios.Não to mandei eu? Esforça-te, e tem bom ânimo; não temas, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares” (Josué 1.9). Encerro essa reflexão exaltando a Deus pela vida da IPU. Eu encontrei em cada braço, um pouco do braço de Deus. Irmãos e Irmãs, grato pelo acolhimento. Coragem! Avante, IPU.



[1] Reverendo da Igreja Presbiteriana Unida de Muritiba-BA.
[2] Como sugere Leonardo Boff “no dito há sempre o não dito”, assim, este texto é parte do que foi refletido na 70ª AGO do Presbitério do Salvador em Governado Mangabeira-BA no dia 07-01-17, com o título: AVIVA EM NÓS AS FORÇAS DA MEMÓRIA- AVANTE IPU!

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

SOBRE COCADAS E CROCHÊS...

Por: Cláudio Márcio
Mainha (Iclea) me contou certa vez que na infância vivida no município de Laje (no Vale do Jiquiriçá), tinha duas amigas boas para brincar, a saber: Antônia (tia Tonha) e sua irmã Valdelice (dona Val). Hoje entendo que a vida possui muitos mistérios, uma vez que, o caminho dessas mulheres, assim como o processo de tessitura do crochê, seria feito de um emaranhado de encontros cheios de beleza.
Tanto mainha como tia Tonha foram estudar em instituições religiosas no Recife durante a juventude acreditando em uma vocação para servir ao Senhor de suas vidas, ou seja, Jesus de Nazaré, embora em instituições diferentes. Entretanto anos mais tarde, na cidade de Muritiba no território do Recôncavo da Bahia um grande ponto de intersecção aconteceu. Elas não poderiam imaginar em hipótese alguma que um dia, entre essas três amigas, seus filhos iriam se casar. Casei com Jussi filha de dona Val e ganhei mais uma tia, Tonha como era bastante conhecida.
Mulher dedicada ao cuidado das pessoas, justa, fervente em oração, solidária em seu cotidiano, foi pastora durante muitos anos no município de Varzedo (também na Bahia).  Ali, cuidou de muitas vidas e também, funcionária dos correios, entregou muitas correspondências! Sim, mas a mensagem que ela jamais se cansava de entregar era sobre o amor de Cristo. Lembro-me que quando ela deslocava-se para Muritiba e ou nós íamos lá, era uma festa. Muito amor, carinho e cuidado mútuo nessa relação. Se não fosse o suficiente, tia Tonha sempre cheia de presentes, lindas toalhas, centros de mesa e colchas de crochês e, não menos, uma deliciosa cocada de “lamber os beiços”.
Todavia, como já foi dito, a vida possui seus mistérios. Nossa guerreira tia Tonha adoeceu! Fiz algumas pequenas reflexões em busca de alívio e tentando entender a mensagem de Deus para nossas vidas. Fui tocado em vários momentos: Escutei dona Val dizer ao saber que sua irmã estava doente: “perdi minha irmã”! No exercício da alteridade meu coração se fragmentou em dores por ela, pois, imaginei essa horrível notícia com uma das minhas irmãs. Hoje penso que vida e morte são faces da mesma moeda. O sofrimento é inerente ao humano. A reinvenção da vida também deve ser, não?  É muito triste ter a impressão de que alguém que amamos se vai. Honestamente, creio que a última palavra é a do Eterno mistério que chamo de Deus. Estamos sofrendo! Estamos lutando! Os olhos de Jussi estão carregados de tristeza e sentimento de impotência. Ao escrever agora, meus olhos insistem em segurar lágrimas. Suspeito que tenho que tentar ser “forte” pela turma aqui. Daiana também está sem chão. Parece que o alvo que acreditávamos nos aproximar como horizontes esperançosos de uma nova realidade se desfez. Não sei para onde olhar. Apenas lembro-me:  Deus é meu refúgio. Ele é socorro presente na minha angústia. O nosso redentor vive. Deus seja feita a Tua vontade. Tenha piedade de nós”. (08-12-16)
Meu bem temos vivido dias difíceis. Onde encontrar forças? A dor tem sido uma realidade já cotidiana, contudo, o que mais sentimos neste momento? Ah, eu diria que a solidariedade de amigos e familiares. Sim, cada oração, cada abraço, cada olhar de algum modo tem nos fortalecido. Cartola em uma de suas canções abaliza: “fim da tempestade o sol nascerá”. Tenho acreditado nesses versos, todavia, suspeitando que a tempestade e o sol (assim como eu) já não são os mesmos. Esse fluxo é fixo, ou seja, são experiências inevitáveis na jornada. A questão é de que modo respondemos às dificuldades. Será? Agora me lembrei de uma canção que pode ser minha oração: ‘hoje eu só quero que o dia termine bem’. Estamos juntos nessa, amor. Teu choro também é meu... espero que o fluxo traga logo o riso. (09-12-16)
 Ontem (21-12-16) fomos nos despedir dela que bastante fragilizada foi convidada pelo mestre a fazer sua travessia. A perda foi (é) grande. A dor de despedir-se de quem amamos é avassaladora.  Ontem, vi “Varzedo chorar”. Muitas igrejas, familiares, amigos e amigas dedicaram-se ao cuidado dessa serva de Deus nos seus últimos dias aqui neste chão. Insisto em AGRADECER a cada um(a) que de maneiras múltiplas cuidaram de nossa querida tia Tonha.

Encerro essa reflexão louvando a Deus pela vida dessa mulher. Evidentemente que a saudade não será da cocada e ou do crochê. Esses elementos metafóricos são simbólicos, isto é, são representações de tempo que era doado com disciplina, zelo, cuidado, carinho e, alegria de doar-se a seus familiares e amigos. Bem, para trazer leveza nesse momento de separação, ausência e tristeza, optei pela seguinte representação: “minha linda esposa, hoje nossa tia Tonha foi fazer cocada para Jesus. Enquanto ela colocava os ingredientes na panela e fogão, Ele abriu um lindo sorriso para ela. Suspeito que ambos estão esperando ansiosamente a cocada esfriar para o grande deleite... Jesus, como muitas crianças, pediu para raspar a panela. Tia Tonha rindo disse: ‘sabia que você iria pedir’ (risos)”.