quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Qual diferença faz?

Por: Cláudio Márcio[1]
Corpo negro no chão
Furado de bala ou facão
Qual diferença para mãe que chora?
Marcas na pele e na alma, não?
Correntes da imaginação: a quem interessa a memória APENAS de povos que foram escravizados?
Racismo estrutural com tom de “harmonia social”.
Corpo negro no chão
Furado de bala ou canhão
Qual diferença faz?
Colonização-cristianização: corpo negro na fazenda, na favela e na periferia.
Dor no peito e lágrimas nos olhos
Chegou a hora irmão de reinventar-se,
Chegou a hora irmã de multiplicar-se.
Resistir como os ancestrais.
Além da enxada, do berimbau, do cavaquinho e do pandeiro.
Usa o caderno e a caneta como emancipação.
Sinta o reggae trazer uma nova vibração
Corpo negro em ressurreição não suporta mais o chão.
De pé, com fé na luta e na missão.
Reescrevendo a história da descolonização.
No chão agora só as sementes da transformação.
Tem brotado e chegará o dia da redenção.



[1]  Reverendo da Igreja Presbiteriana Unida de Muritiba-BA.

terça-feira, 21 de novembro de 2017

BAIANÃO ECUMÊNICO: o novo sempre vem...

“Eis que farei coisa nova, que já desponta” (IS 43. 19)
Por: Cláudio Márcio[1]
Participar do 1º BAIANÃO ECUMÊNICO[2], 06 a 08 de outubro de 2017, foi uma experiência bastante significativa. O evento, organizado pelo Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs (CEBIC), buscou fomentar o diálogo contra a intolerância religiosa bem como fortalecer a convivência com o diferente, ou seja, garantir o direito à diversidade.
Como jovem reverendo da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU) tenho muito a apreender. Livros, vivências e paradigmas dentro e fora da IPU sinalizam, como bem sugere o documentário produzido pela Faculdade Unida de Vitória-ES, O SONHO ECUMÊNICO baseado em desafios para se construir pontes em detrimento de muros segregacionais.
Sim, ainda tenho utopias! Aqui no território do Recôncavo da Bahia busco essa mesa da fraternidade e da dignidade humana. Penso que é urgente combinar fé-ação em favor da vida em sua multiplicidade. Suspeito ainda, que há inúmeras narrativas ocultas (a CEBIC) é uma delas, que precisam brotar com força no cenário religioso baiano como uma perspectiva contra-hegemônica, isto é, capaz de promover nesta polifonia, uma voz justa, coerente, equânime e libertadora.
            Sei que existem os contrários ao ecumenismo. Mas hoje eu os pergunto: o que leram sobre tal tema? Qual experiência de alteridade religiosa foi vivenciada por esses sujeitos sociais? Na realidade, penso que muitos vivem espiritualidades deslocadas da realidade social, logo, preferem discutir o “sexo dos anjos” e ou responder questões que nunca foram feitas, pois, a ninguém interessam.
            Entretanto, a espiritualidade dialogal do CEBIC se propõe a “colocar o ouvido na boca do povo”, assim, testemunho com alegria e sentindo-me desafiado por todo encontro do Baianão Ecumênico. Aqueles e aquelas que investiram seu tempo e talentos para realização do evento, muito obrigado. Sigamos na jornada!
           




[1]  Reverendo da IPU de Muritiba-BA.
[2] Casa de Retiro Dom Amando, Av. Aliomar Baleeiro, Km 6,5, Bairro Nova Brasília, Salvador – BA.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

VEZ POR OUTRA, É PRECISO INCENDIAR A AGENDA...

Por: Cláudio Márcio[1]
“... nada deve parecer impossível de mudar” (Bertold Brecht). [2]
O ministério pastoral (assim como diversas atividades de liderança) é marcado por experiências sensoriais múltiplas cotidianamente. Em aproximadamente um mês nossa comunidade de fé (IPU de Muritiba) tenta seguir os passos. Nem sempre é fácil! Lutamos junto com uma família pela vida, todavia, diante dos desígnios de Deus (que não entendemos) ele chamou sua serva para seu colo e, honestamente, nossa esperança é a ressurreição. Ainda dói bastante lembrar este processo... Se não fosse o suficiente, outra família da igreja ficou enlutada e temos alguns doentes. Insisto: não é fácil consolar e encorajar quando também nos encontramos extremamente fragilizados.
Neste processo de ir seguindo a vida com fé-coragem, realizamos uma semana de oração que muito nos fortaleceu. Estamos em comunhão e nossa comunidade tem percebido a grandeza da espiritualidade do afeto, do cuidado e do toque. Entretanto, entre a alegria e a dor, há perguntas interessantes a serem feitas: o que efetivamente é importante em nossa vida hoje?  Corre-se tanto com qual finalidade? As escolhas que tenho feito na jornada são as melhores para mim?
 Confesso que gostaria de ficar um pouco mais com minha linda esposa. Ficar um pouco mais com meus livros. Pensar mais em mim sabe? Sou apaixonado por ser líder religioso e ou professor. Entretanto, essa espiritualidade diaconal precisa dar as mãos à dimensão do lazer. É preciso e possível uma experiência mais leve e cheia de encantamento, não?
São tantos prazos e agendas que, se pudesse, “tocaria fogo na agenda”. Sim, apenas uma piscina… ao som de Cartola. Na realidade, suspeito que preciso cuidar de mim. Tem dias que nós (líderes) também precisamos de “águas tranquilas e pastos verdejantes”. Hoje escrevo para mim, pois, escrever também cura.
Amanhã será outro dia. Amanhã será “o mesmo do diverso”. Eu continuarei sendo o “mesmo-outro”. Sigo em teimosia diante da vida, uma vez que, acredito na sua força e na possibilidade de reinvenção. Em outras palavras: é preciso reimaginar. Logo, somos convidados a “avivar as forças da memória” e seguir em frente. “Temos dois pés para cruzar a ponte”, ainda temos uma jornada diante de nós, então, “acorde, levante e lute”.  Amém!



[1] Reverendo da IPU de Muritiba-BA.
[2] Texto feito no início de outubro.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

UM CLAMOR A TUPÃ



Por: Cláudio Márcio[1]
Ah, Tupã. Criador de toda natureza. Tua presença é percebida nos rios, nos animais, nas plantas e nas flores. Os indígenas não são a coroa da criação como anunciam os cristãos. São parte integral desta totalidade da Pachamama. Humano, natureza e cultura são um.
Ah, Tupã.  Pediram que os povos indígenas fechassem os olhos e lhes entregaram  um livro sagrado. Ledo engano, tomaram suas terras, suas riquezas. Se não fosse o suficiente, Tupã,  escravizaram nossos povos e trouxeram doenças exterminando milhares de filhos originários desta terra chamada Brasil. Quero aprender a cada dia como viver coletivamente, como amar a natureza e enfim, como resistir sem me corromper.
Sim, Tupã. Resistimos! Lembramos de tua força e recriamos a jornada. Nossos problemas não são contigo. Nosso problema é com a garantia dos direitos. Somos donos desta terra! Nos tratam de maneira “folclorizada”. Não valorizam nossos saberes. Querem nos objetificar. Ciência e religião são campos de poder que nos manipularam. Ora foram os missionários, ora os antropólogos…
Tupã, somos atores sociais. Queremos lutar “com nossas armas”, todavia, eles, são covardes. Tivemos que nos render a seu processo civilizatório como único e ou melhor possível!?  Nosso sangue se misturou com a terra, somos um.
Tupã, peço-te desculpa pelos meus erros de omissão na luta da terra no século XXI. Pelos meus ancestrais que feriram teu corpo. Eu falo do Cristo e pouco o conheço, todavia, sua prática revela que você é mais “cristão” que eu. Que a cada dia minha oração seja antropofágica para que eu possa alimentar meu espírito com a coragem dos teus filhos que deram a vida em favor de muitos.




[1]  Reverendo da IPU de Muritiba-BA.

sábado, 9 de setembro de 2017

ÉS DEUS (NÃO APENAS) DOS PATRIARCAS...

Por: Cláudio Márcio[1]
O Senhor é meu pastor e de nada tenho falta. Canto ao Teu nome por tua misericórdia e lembro-me de tua fidelidade ao deitar-me. És refúgio, fortaleza. És Deus de João Dias e Ithamar Bueno. És Deus de Sônia Mota e Nelson Kilpp. Ah, Pai-Mãe, És Deus de tantos “Josés e Marias” que vivem em resistência pelos centros e periferias deste chão chamado Brasil.
Sabemos que escutas o GRITO DOS EXCLUÍDOS, pois, teus filhos e filhas encontram em Ti razão para seguirem a jornada. Muitas são nossas aflições. Temos chorado bastante, todavia, percebemos teu cuidado e colo amoroso. Pai-Mãe, quando entenderemos que podemos ser mãos tuas no cotidiano? Até quando ficaremos (apenas) de joelhos em prece? Não chegou a hora de ficar de pé e lutar, irmão e irmã?
Deus bendito, obrigado por Te encontrar não isolado em templos. Te vejo nas ruas e praças da cidade. Te encontro no meio da feira popular e nos campos. Te vejo no meio de camponeses, dos quilombolas e dos povos indígenas em luta pela terra. Graças e louvores ao Deus da vida.
Que eu compreenda que além de teu filho, posso ser amigo e parceiro para construir uma sociedade cheia de justiça e paz. Realizo essa prece na crença da subversão e na ressurreição das utopias corpóreas, amém. Peço a Ti, Parceiro maior, que desperte em cada leitor(a) o desejo de perceber Tua voz inconfundível que pela fé nos diz: “não tenha medo. Estou com você. Ouço tua oração. Pego tua mão. Enxugo tuas lágrimas. Farei você sorrir novamente em breve, vamos?”.




[1]  Reverendo da IPU de Muritiba-BA.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A VIDA É BOA E DURA...

Por: Cláudio Márcio[1]
                                                                                                
Deus (Pai-Mãe) de toda bondade e justiça. Obrigado pelo dia que se abre diante de mim. Cantarei ao Senhor enquanto viver. Tu és a minha alegria. Ah Senhor, muitas são as minhas aflições, meus medos. Todavia, a quem temerei? Percebo teu cuidado e fidelidade. És fonte de amor e esperança.
Hoje, intercedo pela vida de amigos e familiares que estão enfrentando situações que envolvem enfermidades. Tem piedade de nós! Atende a voz do nosso clamor. Sim, Tu podes todas as coisas. Sabemos em quem temos crido. O nosso Redentor vive!  Hoje com os nossos olhos te encontramos.
Senhor, viver é uma bênção e um perigo. Não tenho muitas respostas... O que tenho na realidade é um desejo profundo de continuar caminhando. Até onde iremos? Chegaremos à próxima esquina? Sentaremos à mesa para partilhar mais um pão? Aquele abraço será dado? Honestamente, não sei. Espero ardentemente que sim...
Pai-Mãe, a vida é boa e dura. Precisamos de coragem para seguir, porém, temos a sensação que não temos mais forças. A nossa “bateria” vai se esgotando. O que fazer? Tu és fonte de vida! Vem Espírito Santo (re)organizar nossas vidas. Enxuga nossas lágrimas e nos faz sorrir novamente.
Rogo ainda pelos profissionais da saúde. Misericórdia por aqueles(as) que não possuem um plano de saúde. Intercedo por pessoas que carecem da liberação das burocracias hospitalares. Peço-te que continue agindo através de homens e mulheres que cuidam e encorajam pessoas através de saberes populares. Isto é, não apenas o jaleco, mas, folhas, raízes e chás.
Deus, piedade dos mercenários da saúde. Piedade dos que (pela cor da pele) oferecem um atendimento e ou tratamento diferenciado. Escuta nosso clamor e nos faz compreender Tua vontade. Peço-te Senhor, derrama o óleo em nossas cabeças e nos ensina (também) que nossas mãos podem ser (vez por outra) as tuas. Amém!




[1]  Reverendo da Igreja Presbiteriana Unida de Muritiba-BA

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A CABANA: o filme se fez carne...

“Dentre os muitos desafios que temos de enfrentar, um dos mais importantes hoje em dia é o da imaginação de outro tipo de crente. Imaginar, criar imagens de, figurar, desenhar, sonhar, formar” (Júlio Zabatiero)
Por: Cláudio Márcio[1]
Tive a oportunidade de assistir o filme A Cabana (direção de Stuart Hazeldine) e confesso que fiquei bastante indignado. Comecei a me indagar: como é possível líderes cristãos reclamarem dessas releituras imagéticas? Qual o problema de pensar Deus enquanto mulher negra e ou homem indígena, Jesus de Nazaré com características fenotípicas islâmicas e o Espírito Santo como mulher oriental?  Penso que o humano é criatura e criador de símbolos e percepções do mistério profundo que chamamos Deus. Sendo assim, problematiza-se: a quem interessa essa e não outra imagem do Divino?
Nos princípios de Fé e Ordem da Igreja Presbiteriana Unida (IPU), em relação ao texto bíblico diz: “as Sagradas Escrituras são o padrão de doutrina e ética. A IPU reconhece, contudo, diante delas, o direito a diferentes posicionamentos exegéticos e teológicos os quais, sob a influência de condicionamentos históricos, culturais e sob a orientação do Espírito Santo, transformaram-se e se transformam de acordo com as necessidades dos homens e passaram a constituir verdadeiro patrimônio espiritual da Igreja Cristã”. Dessa forma, Karl Barth já provocava: “é preciso ter a Bíblia numa mão e os periódicos na outra”. O Rev. João Dias de Araújo também contribuiu significativamente com a relação do texto sagrado e a questão da terra, da justiça social, da cultura popular brasileira.
Estou lendo o livro Reimaginar a igreja no Brasil (organizado por Clemir Fernandes e Flavio Conrado), nele, Marcos Monteiro abaliza: “ a história do Ocidente caminhou sempre e cada vez mais na relação com a Bíblia, modo complexo de se relacionar, em que a Bíblia ou foi amada ou foi temida (e até odiada), espaço de celebração ou de libertação, mas também lugar de medo e de dor”. Já Paulo Nascimento indaga: “por que nossa relação com a Bíblia não tem a mesma liberdade que Jesus de Nazaré tinha diante dos textos sagrados de sua religião?”.
            Bem, retomando ao filme, não desejando discutir seus aspectos mercadológicos de uma sociedade de consumo, mas, pensando na possibilidade de releitura das Sagradas Escrituras, de fortalecer as teologias emergentes na América Latina, fui extremamente impactado através da linguagem cinematográfica de leituras familiares sobre o Sagrado. Diante de dificuldades existenciais, crises e problemas que muitos enfrentam cotidianamente, outra percepção de si mesmo e do(a) Outro(a) faz a vida ser reinventada. Voltar a caminhar e sorrir. Temos que reler a Bíblia com coragem, responsabilidade e compromisso com a defesa da vida. Magali do Nascimento Cunha como uma das vozes do livro Reimaginar aponta: “fica a mensagem para nós, como igreja hoje, seguidores deste Deus, o totalmente Outro, o Incondicionalmente Outro, que chama peregrinos, estrangeiros, forasteiros, para serem o seu povo. Quem é o outro hoje? Quem são os peregrinos, estrangeiros, forasteiros que carecem de nossa acolhida?
Com efeito, encerro essa reflexão com uma imagem do filme e outra ocorrida esta semana. Tive a oportunidade de representar a Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra (CEDITER) no Encontro Nacional do Fórum Ecumênico ACT Brasil, 14 a 17 de agosto em Brasília. Participam do evento representantes da Aliança de Batistas do Brasil, CEBI, CEDITER, CESE, CESEEP, Christian Aid, CLAI, CMI, Comin, CONIC, Diaconia, FLD, Koinonia, PAD, Reju, SOS Corpo e UNIPOP. Experiência marcante e desafiadora. Fomos para uma vigília em solidariedade aos povos indígenas e quilombolas contra o marco temporal na frente do STF no dia 15. Lá, em diálogo com dois grupos que ali estavam os Guarani Kaiowá (região de Dourados, MS e Guarani Nhandeva da região sul), vi movimentos sociais, pesquisadores, líderes religiosos, jovens universitários, etc.
Fomos abençoados por eles. Ora, sou do território do Recôncavo da Bahia, pensar o rosto de Deus negro é um exercício reflexivo teológico que realizo, todavia, a face dEde no indígena não é tão familiar para mim. Ali, em meio aquela manifestação, vi a face de Cristo. Eu que sou líder religioso, reverendo da IPU, fui capaz de perceber Jesus de Nazaré (também) nos povos indígenas.  No filme Deus aparece como indígena. Na frente do STF, a imagem do filme se fez carne.  Não é exagero algum concordar com Nancy Cardoso Pereira no livro supracitado que: “em nome de Deus profetas e sacerdotes dizem mentiras”. Contudo, o que presenciei no Fórum Ecumênico ACT Brasil, foi o compromisso de organizações em defesa da vida em sua diversidade.    



[1] Reverendo da IPU em Muritiba-BA.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

HISTÓRIAS DE VIDA ENTRE A DOR E A ESPERANÇA...

“Jovens, à época, empolgados com as possibilidades abertas para construção de um novo futuro para o país, e, ao mesmo tempo, convencidos do retrocesso político, econômico e cultural sinalizado pela implantação de um regime autoritário, criaram as suas diferentes formas de resistência ao arbítrio      e ao atropelo dos direitos inalienáveis da pessoa humana. Pagaram um preço inaudito por sua ousadia e destemor. Foram vítimas da tortura, da prisão e do exílio... e muitos tiveram suas vidas ceifadas nos porões da violência institucionalizadas” (DIAS, 2014, p.13).

Por: Cláudio Márcio[1]
O documentário Muros e Pontes: memórias Protestantes na ditadura[2] ajuda a refletir sobre a temática do Estado Laico e a função religiosa, pois, propõe desvendar memórias como uma espécie de recontar narrativas experimentadas por jovens protestantes ecumênicos (homens e mulheres) durante o golpe de 1964. Ora, as memórias são modos de articulações entre experiências vividas no fluxo do tempo, portanto, passadas e presentes, ou seja, contar a memória é reconstruir um lugar no mundo produzindo pertencimento político identitário, pois, a memória é produto e produtora de mundo concomitantemente.
Partindo deste pressuposto da fabricação de identidades, quem são esses rostos e essas vozes apresentados no documentário? A função de entrevistador do documentário é do pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e professor universitário, Zwinglio M. Dias. Na realidade, ele ocupa um lugar dúbio, uma vez que, neste processo de múltiplas identidades, ele ora realiza entrevistas, ora oferece o seu depoimento como alguém que também carrega as marcas deste contexto arbitrário militar brasileiro. O documentário oferece histórias de vida com um misto de dor e esperança. Sinaliza ainda um contexto de efervescência política onde as instituições estavam sendo questionadas por seus modelos hierárquicos, muitos líderes religiosos não estavam preparados para serem interrogados e, ao mesmo tempo, de fazer uma ponte entre a fé cristã e as inúmeras demandas sociais do Brasil. Evidentemente que alguns jovens cristãos e ecumênicos estavam dispostos a construir essa suposta ponte.
Assim sendo, refletindo o protestantismo brasileiro é possível problematizar: por que essas experiências de fé, luta, reflexão crítica e engajamento político foram (são) negadas em muitas comunidades de fé? Falta de informação das lideranças? Trata-se de líderes mal intencionados? Por que negar a trajetória e influência de figuras como: Richard Shaull, Waldo César, Jaime Wright, Paulo Stuart Wright, João Dias de Araújo, Anivaldo Padilha e Rubem Alves?
Uma das formas de tentar responder a esses questionamentos é olhar para a parceria feita entre o Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia e Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, pois, ao desvendar e ou recontar um momento histórico do Brasil e de alguns jovens ecumênicos, muitas narrativas são potencializadas gerando imagens e sons desafiadores para outras gerações. Dito de outra forma, esses depoimentos apresentam-se como contraponto de uma suposta história oficial, uma vez que, esses homens e mulheres trazem no corpo e na memória as marcas de um momento sombrio na política brasileira.
Com efeito, é urgente romper com os paradigmas que não dialogam com a diversidade cultural brasileira. É preciso compreender que existem protestantismos com possibilidades múltiplas de vivência da fé. A Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU) é um exemplo de uma forma de ser em que a dimensão da fé pode-deve ser efetivada em sindicatos, partidos políticos, ONG’s, etc, logo, criou-se a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e a Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra (CEDITER).
Há um fragmento narrado por Zwinglio M. Dias no documentário em que ele e um grupo eram acusados de “ecumenistas”, ou seja, uma mistura de ecumênicos com comunistas. Desta forma, esses jovens eram vistos como “perigosos” para o ordenamento eclesiástico onde estavam inseridos, assim como, para a ordem política vigente no país. Bem, tenho lido Richard Shaull e Frei Betto, assim, penso ser necessário fazer uma distinção entre uma “bancada evangélica” com características teocráticas e que em nada garantem os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras em nossa “pátria amada”, de uma fé que é práxis libertadora, isto é, uma participação política engajada por justiça social e garantia dos direitos de grupos sociais.
De fato, o documentário traz a memória entre os tantos nomes o do Rev. João Dias de Araújo. De quem se trata? Um líder religioso com formação em teologia, filosofia e direito. Um dos fundadores da IPU. Ajudou a criar o SIM (Serviço de Integração do Migrante), em Feira de Santana-BA. Autor de uma obra clássica para quem estuda o fenômeno religioso protestante brasileiro, a saber: Inquisição sem fogueiras, ou seja, trata-se de um líder religioso extremamente articulado com o solo brasileiro e optou (assim como Jesus de Nazaré), em caminhar com e pelos “pobres”.
            Evidentemente que o processo de rememorização é sintético, pois, o reverendo João Dias foi em vida muito mais do que o dito acima. Logo, como e ou por que ocultar uma trajetória tão relevante e encorajadora? A quais grupos e ou sujeitos sociais interessam o apagamento ou a omissão dessa e tantas outras memórias? Comungo então que as lutas outrora travadas encontram-se atuais, sobretudo porque ainda vivemos com as velhas inquietações abordadas nos fragmentos do que se tornou o Hino oficial da IPU que diz: “Que estou fazendo se sou cristão, Se Cristo deu-me o seu perdão? Há muitos pobres sem lar, sem pão. Há muitas vidas sem salvação. Mas Cristo veio pra nos remir, O homem todo sem dividir: Não só a alma do mal salvar, Também o corpo ressuscitar” (OLIVEIRA, 2014, p. 80).
            Essa era a característica das vidas acionadas no documentário: por uma teologia pública crítica e libertadora. Assim, é necessário potencializar essas vozes para que novas práticas possam brotar no protestantismo brasileiro. Lembremos de Rubem Alves quando sinaliza: “Mas os mártires têm aparecido: Gandhi, Martin Luther King, Oscar Romero e muitos outros. Líderes religiosos são intimados, perseguidos, ameaçados, expulsos, presos... Ópio do povo? Pode ser, mas não aqui. Em meio a mártires e profetas, Deus é o protesto e o poder dos oprimidos” (ALVES, 2003, p. 111).  

REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
DIAS, Zwinglio M. (org) Memórias Ecumênicas Protestantes - Os protestantes e a Ditadura: Memória e Resistência. Rio de Janeiro: KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, 2014.
OLIVEIRA, Nilton, Emmerick. A Militância Política de um Presbiteriano “Comunista”... In: DIAS, Zwinglio M. (org) Memórias Ecumênicas Protestantes - Os protestantes e a Ditadura: Memória e Resistência. Rio de Janeiro: KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, 2014.


[1] Reverendo da Igreja Presbiteriana Unida de Muritiba-BA.
[2] Documentário produzido em parceria pelo KOINONIA: Presença Ecumênica e Serviço e o projeto Marcas da Memória, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça entre 2013 e 2014.  Ver: http://koinonia.org.br/

quinta-feira, 27 de julho de 2017

POR UMA ESPIRITUALIDADE NÃO INQUISITORIAL...

Por: Cláudio Márcio[1]
Na manhã de domingo (09-07-17), a Igreja Presbiteriana Unida (IPU), na cidade serrana de Muritiba (Recôncavo da Bahia), promoveu um excelente estudo sobre os 500 anos da Reforma Protestante com o historiador, teólogo e filósofo Pr.Jorge Nery. Pensamos a relevância deste fenômeno social e, não menos, suas contradições. Houve uma presença significativa de visitantes da igreja Batista, uma “galerinha” da UFRB e da UNEB.
Desta maneira, é importante salientar como no século XVI na Europa o cristianismo como religião oficial foi provocado por movimentos e sujeitos sociais e, inevitavelmente, a partir de redes interdependentes, rupturas-permanências, uma gênese de um novo paradigma societário se estabelecia.
Ora, naquela conjuntura específica “a Bíblia na língua materna na mão do povo” tinha um tom revolucionário, ou seja, um processo subversivo e descentralizador de uma experiência com o Sagrado. Lembramos da relevância da fé em Jesus Cristo em um período em que as indulgências possuíam características salvíficas. Do sacerdócio universal, isto é, todo mundo é padre de si mesmo.  E as mulheres neste contexto? Qual a razão de tanto silêncio?
Pensamos ainda a complexidade de tal fenômeno com o intuito de não construir heróis, uma vez que, a Reforma Protestante desenvolve-se também mediante relações de interesses, em que príncipes abraçavam aquela nova possibilidade religiosa para não pagarem impostos a Roma. Nesse sentido a Reforma Protestante é simultaneamente: política-religiosa-econômica.  Lembramos ainda que milhares de camponeses anabatistas foram exterminados.
Sabemos que a experiência religiosa é cheia de ambivalências, isto é, ela liberta-escraviza. Refletimos como a Bíblia no processo histórico foi utilizada para dominação. A cruz, por vezes, se tornou espada. Grupos religiosos evangélicos no século XXI reinventaram a prática das indulgências.   O exercício da fé como prática comunitária foi se perdendo em detrimento de uma perspectiva isolada e individualizada com Deus.
Questões importantes foram levantadas e debatidas naquela linda manhã. Abordamos ainda o perigo de uma BANCADA EVANGÉLICA servidora do deus-dinheiro e envolvida (em grande medida) em esquemas de corrupções, pois, querem criar uma teocracia no Brasil. ABSURDO! Vocês não nos representam!
Com efeito, sabemos que com ou sem fogueiras, muitas inquisições foram estabelecidas em nome de Deus, da moral, da ordem. Entretanto, penso que devemos desenvolver uma espiritualidade não inquisitorial, mas, acolhedora e libertadora. Deus tenha piedade dos que se dizem cristãos e votam a favor da negação dos direitos de trabalhadores e trabalhadoras. Irmãos e irmãs: É preciso lutar para além da oração e do voto!



[1]  Reverendo na Igreja Presbiteriana Unida de Muritiba-BA.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

O caminho da espiritualidade não pode ser antagônico ao da humanização

Por: Cláudio Márcio[1]

“Enquanto se canta e se dança de olhos fechados, tem gente morrendo de fome por todos os lados” (Cantor João Alexandre/ fragmento da música: Em nome da Justiça).

Um dia desses, no culto de oração da Igreja Presbiteriana Unida (IPU) de Muritiba-Ba, uma irmã-amiga sinalizou: “difícil não é vir para igreja. Difícil é seguir a Jesus”. Essa frase aparentemente simples me provocou bastante. Sim, a experiência religiosa institucionalizada muitas vezes não significa um relacionamento profundo com Jesus de Nazaré.
Não basta frequentar um grupo religioso. Não basta ocupar um lugar de liderança. Não é suficiente a pontualidade e ou assiduidade nos dias de celebração litúrgica. Penso que a experiência da fé pode-deve ser cheia de leveza, cheia de beleza e fantasia. O caminho da espiritualidade não pode ser antagônico ao da humanização. Não precisamos homogeneizar a relação com o Divino.
Encontro cotidianamente “homens e mulheres de Deus” que não conseguem responder um simples “bom dia”. Me falam: “ a paz do Senhor”, contudo, honestamente, não consigo encontrar e ou receber essa suposta paz. O tom da bela frase “paz do Senhor” chega aos meus ouvidos como censura, com certo grau de “santidade” que nunca serei capaz de atingir. Encontro mãos levantadas em celebrações religiosas querendo “tocar os céus”, porém, insuficientes para acolher o próximo ao lado. Brados, gritos de euforia em shows gospel, mas, silêncio profundo no que diz respeito ao extermínio da juventude negra e os gays em solo brasileiro.
Honestamente, não quero generalizar, quero provocar a reflexão. Sei que o protestantismo é um fenômeno múltiplo. Acredito que seguir a Jesus de Nazaré é defender a vida. É caminhar com o outro encorajando para utopia da grande libertação. É sentar-se à mesa da fraternidade e partir o pão. É colocar as pessoas de pé em meio às estruturas de morte que insistem em nos botar no chão. Não tenho problemas com seus joelhos dobrados em devoção. Não me incomodam suas mãos unidas como quem reza em busca de força transcendente e misteriosa. Contudo, é “só isso”? É uma relação de fé individualista? 
 Como Sugere Frei Betto (autor que tenho lido ultimamente) "viver por um projeto, uma causa, uma missão, um ideal ou mesmo uma utopia, é o que imprime sentido à vida. E uma vida plena de sentido é o que nos imprime felicidade, ainda que afetada por dores e sofrimentos". Sim, difícil é seguir a Jesus. Contudo, sua voz faz “arder o coração”, assim, é preciso mediar fé e ação.



[1]  Reverendo da IPU de Muritiba (cidade serrana do Recôncavo da BA).

quinta-feira, 8 de junho de 2017

NÃO TENHO RESPOSTAS...

Por: Cláudio Márcio[1]

Na manhã de sábado do dia 13\05\17 fui ao encontro de um amigo na cidade de Cruz das Almas no território do Recôncavo da Bahia não para sorrir-brincar, mas, para chorar. Sim, situação dolorosa é o ato de sepultar uma criança. Meu amigo (João Paulo) se despedia de seu sobrinho que tão pouco pisou neste chão. Uma criança que brincava e sorria, corria e falava foi repentinamente diagnosticado com uma doença terrível. Mesmo com preces, uma rede de amigos em solidariedade, remédios e o auxílio de profissionais da saúde que nem sempre são tão profissionais, perdemos Frederico.
O pensar antropológico quando propõe o exercício da alteridade, da empatia nos “tira o chão”, ou seja, saber que somos sujeitos históricos relacionais fez com que, inevitavelmente, eu pensasse em meus sobrinhos e sobrinha. Doeu muito pensar nisso. Dói escrever sobre isso. Dói lembrar-se daquela família em prantos pelo pequeno que não mais iriam conviver em seu aspecto corpóreo.
Não tenho respostas! Não preciso ter! Há lideres religiosos que tem respostas para tudo, principalmente, quando se trata da família do outro. Prefiro o silêncio. Prefiro abraçar meu amigo e chorar com ele. Sei que os próximos dias serão extremamente difíceis, isto é, já foi para essa mãe que no domingo das mães não tinha seu filho por perto.
Cada leitor a partir de suas sociabilidades e ou pertencimentos religiosos atribuirão sentidos para essas experiências. Por favor, não me venha com respostas prontas e versículos da bíblia isolados. Desejo ao amigo João Paulo e toda sua família que a vida seja (aos poucos) reinventada mediante a fé, o livro, a escrita, o trabalho, a arte, a comunhão com familiares e amigos.
Que o pouco de anos vividos pelo pequeno e sua luta no hospital não “trave” os pés desta família forte e bonita. Que em breve o sol traga uma manhã de esperança, ou seja, o riso (no devido tempo) vencerá as lágrimas. O canto dos pássaros voltará a ser música. As flores voltarão a serem coloridas e perfumadas. Um belo dia, a dor será saudade boa. Um dia a sangria dolorosa será curada. Caso contrário, precisaremos aprender a fazer bons curativos para seguir em frente.
Que Deus (aquele que sou incapaz de compreender seus desígnios) ajude vocês neste triste momento da existência. Hoje, como líder religioso faço minha prece ao Senhor: “Pai-Mãe, sou pecador, mas, tenha piedade desta família. Ajuda cada um(a) no processo do luto, todavia, que seja realmente processo, isto é, que seguros em tua mão possam em breve continuar a jornada”.



[1]  Reverendo da IPU de Muritiba (cidade serrana do território do Recôncavo da BA).

sexta-feira, 2 de junho de 2017

DESAFIO BOM...


Por: Jussiana Silva dos Santos Rebouças* 

Atualmente estamos trabalhando com cerca de 40 crianças, sendo que apenas 20% delas são filhos e filhas de nossos membros. Ou seja, 80% delas apareceram em nossa comunidade e frequentam nossa Escola Dominical porque em algum momento foram tocadas, convidadas, envolvidas e por fim seduzidas pelo trabalho! Dessa forma não podemos decepcioná-las. Utilizando-me das palavras de Antoine de Saint-Exupéry, somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. Ora, somos responsáveis por essas crianças, precisamos ouvi-las, respeitá-las, amá-las. O que elas querem nos falar? O que elas querem de nós? Qual simbologia a igreja representa em suas vidas? Sabemos que todas elas são pertencentes à camada popular, negras e que além do pão, dos brinquedos, também buscam um sorriso, um abraço, um afeto, um carinho, um cafuné... Essas crianças demonstram refletir cotidianamente e sabem que a felicidade é uma conquista. Por isso saíram das suas casas e peregrinaram pelas ruas de Muritiba em busca de um local aconchegante, em que pudessem desfrutar de momentos prazerosos e enriquecedores. Esses meninos e essas meninas possuem olhos que brilham em busca de exemplos, de caminhos, de futuro!
Diante dessa realidade estamos no quarto ano consecutivo empreendendo estratégias didáticas oriundas dos saberes bíblicos, das histórias de vida de familiares, amigos e também membros da igreja, revestidas de uma perspectiva de troca de conhecimento, potencializando habilidades e competências múltiplas, na medida em que desafiam um fazer pedagógico em que educadores e educandos são autores e sujeitos do processo ensino aprendizagem. Entre os saberes também experimentamos sabores, na medida em que doces e guloseimas juntamente com o lanche e as festividades regadas de muita comida, alegram nosso paladar e demonstram o quanto nossas palavras são acompanhadas de ações que para além de confirmarem o que defendemos e acreditamos apontam para um ensinar com exemplo, com solidariedade, com amor e com justiça social. Cada lição trabalhada temos atividades lúdicas que exercitam a criatividade e também são reinterpretadas para nossa realidade. Trabalhamos com as histórias bíblicas dialogando com valores e atitudes de respeito à diferença cultural. Refletimos sobre questões étnicas, de gênero, etárias, de classe, através de desenhos, pinturas, modelagem, colagem, culinária. Nosso objetivo é sempre surpreendê-las!
Ainda é válido destacar que essas crianças além de levarem o que aprendem para casa, conquistando seus pais e familiares, também divulgam o trabalho para seus amigos e a cada domingo recebemos visitantes que muitas vezes começam a ser estudantes matriculados em nossa EBD. São de fato pequenos e pequenas missionários(as) que assim como Cristo saem divulgando as Boas Novas na escola, em casa, nas praças e esquinas. Com efeito, estamos constituindo uma superfície de inscrição em nosso corpo, ou seja, sentindo na pele o que Jesus alertou: “Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a eles” (Lucas 18:16) . Nossa IPU de Muritiba precisa ser igual a essas crianças. Acordar no domingo alegre, tomar o café sem ao menos a mãe perceber (Fala da mãe de duas participantes da nossa EBD), sair nas casas pegando os amigos e as amigas, assumir o trajeto a pé quando o pneu da bicicleta estiver furado (fala de mais uma pequena da nossa comunidade), ligar para os outros e perguntar: - Não vamos hoje à igreja? (ação dominical de mais uma criança). E enfim, receber todos e todas com um caloroso abraço e um delicioso sorriso de quem acordou e agradeceu a Deus por mais um belo domingo!


* Possui graduação em LICENCIATURA HISTÓRIA e MESTRADO EM EDUCAÇÃO pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e bacharelado em SERVIÇO SOCIAL pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Atualmente é professora da SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE MURITIBA e da SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

NÃO TENHO MEDO DE PENSAR...

Tenho 34 anos de idade, casado, cristão protestante, reverendo da Igreja Presbiteriana Unida na cidade serrana do território do Recôncavo da Bahia, formado em Ciências Sociais pela UFRB, professor na Educação de Jovens e Adultos (EJA), isso é, baiano, nordestino, brasileiro e, não menos, como abalizou o cantor-poeta Belchior, “sou apenas um rapaz latino-americano...”. Acionei algumas identidades de maneira intencional e política, uma vez que, não há produção de discurso neutro, ou seja, nas palavras do teólogo Leonardo Boff ocorre que, “no dito fica sempre o não-dito, e todo ponto de vista será sempre a vista de um ponto” (BOFF, 2010, p.105).
Desta maneira, toda produção de conhecimento é sócio-histórico e situa-se em uma arena de disputas. No campo da teologia não é diferente, isto é, quem estaria mais “autorizado” a falar sobre os desígnios de Deus? Como uma percepção e ou representação de Deus é construída? A quem interessa essa ou aquela imagem dEle? Como refletir-dialogar com os que possuem experiências politeístas? Não é objetivo deste texto responder, mas, levantar questões para pensar e problematizar aquilo que, por vezes, é dado, é naturalizado.
Sabe-se que o fenômeno religioso é extremamente complexo. Conforme o sociólogo Faustino Teixeira “um dos fenômenos que marcam o século XXI é o reencantamento do mundo, ou seja, a presença significativa da religião em toda parte. As teorias que consagravam a dinâmica irreversível da secularização caem por terra, diante de uma nova ressurgência da religião” (TEIXEIRA, 2014, p.13), isto é, o processo de desencantamento do mundo anunciado por Max Weber e outros intelectuais, em que a partir da racionalidade se daria conta de explicações científicas para um mundo mágico-religioso teve êxito “parcial”.
Seria no mínimo falso negar que o processo de transição de um paradigma societário teocrático, feudal e rural para um antropocrático, urbano e industrial, não geraria outro sujeito social, assim como, outra percepção para o fenômeno religioso. Foram modificações significativas que a modernidade, o advento da produção científica, o avanço tecnológico desenvolveu na contemporaneidade, logo, um discurso sobre Deus ainda é possível no século XXI? Se sim, o que Ele representa hoje e para quem?
Cabe ressaltar que a perspectiva de processo implica necessariamente a ambivalência mudar-permanecer, assim, a racionalidade diminuiu o grau de fantasia do mundo, mas, não a eliminou totalmente, pois, a religião produz sentido na caminhada das pessoas, ou seja, “a religião, enquanto ‘teia de sentidos’ firma-se com vigor nesse tempo de incertezas e inseguranças. Não há como viver no mundo social sem ordenação e significado” (TEIXEIRA, 2014, p.14).
Com efeito, fui aluno do Rev. João Dias de Araújo e tive a rica oportunidade na transição da igreja batista para a presbiteriana de me aproximar de sua percepção teológica. Desta forma, ele se tornou meu tutor, meu pastor e amigo. No STBNe na cidade de Feira de Santana fui bastante influenciado por pessoas como: Marcos Monteiro, Jorge Nery, Eliabe Barbosa, Ágabo Borges e uma brilhante experiência com a FTL-Ne, a Igreja Batista de Bultrins em Pernambuco e a Igreja Batista do Pinheiro em Maceió. Meus olhos se abriram para outra realidade.
No seminário ao ouvir falar da Teologia da Libertação fui cativado por essa possibilidade de uma produção teológica a partir do pobre latino-americano. Com o tempo, foi necessário perceber questões de gênero, de raça, de sexualidade e, não menos, demandas etárias precisavam ser acionadas junto à categoria pobre. Desta forma, “não se trata de uma libertação apenas do pecado (do qual sempre nos devemos libertar), mas de uma libertação que também possui dimensões históricas (econômicas, políticas e culturais)” (BOFF, 2010, p. 35).
Confesso que foi a partir da Igreja Presbiteriana Unida que conheci uma abordagem de um “protestantismo subversivo” em solo brasileiro. Tenho me dedicado a leitura de alguns autores como: Richard Shaull, Waldo César, Jaime Wright, Paulo Stuart Wright, João Dias de Araújo, Zwinglio M. Dias, Rubem Alves, ou seja, como abaliza Boff: “porque a Igreja vive esta contradição, sempre é possível nela a irrupção do profeta e do espírito libertário que a faz se encaminhar na direção daqueles grupos que buscam relações mais justas na História e se organizam nos marcos de uma prática revolucionária” (BOFF, 2010, p. 235).
Essa dimensão e ou característica profética do protestantismo me desafia bastante, logo, torna-se inevitável o interesse pelo tema do ecumenismo, do diálogo inter-religioso e de uma fé cristã reformada que precisa dialogar não apenas com o saber científico e popular, mas, assumir lutas nos diversos movimentos sociais que clamam por justiça nas esquinas e praças de cidade.
Utilizo-me ainda das palavras da historiadora Elizete da Silva que sinaliza: “ao longo da História, a religião interagiu com diversos movimentos sociais, ora legitimando-os ora condenando-os, ou se omitindo, como se a devoção ou a espiritualidade eximisse os fiéis de intercursos sociais. Por mais absenteístas ou contemplativos que sejam os grupos religiosos, relações de poder, utopias e anseios de transformações sociais também atingem crentes que aspiram ao Paraíso ou à Eternidade. (SILVA, 2014, p. 94).
O cientista da religião Jorge Pinheiro abaliza: “continuamos a nos pautar por dogmáticas além-mar, cânones que não podiam ser contestados. Este jeito estrangeiro de ser protestante brasileiro marcou gerações e fez de nós estranhos no ninho” (PINHEIRO, 2008, p.12), ou seja, não se trata de negar a produção teológica da Europa ou dos EUA, mas, construir e fortalecer uma reflexão a partir do nosso chão, das nossas dores e anseios. Precisamos de um Deus brasileiro! É possível pensar Deus no Brasil sem uma linguagem que passe pelo samba, futebol e carnaval? No caso específico do território do Recôncavo: Deus não jogaria capoeira, iria ao samba de roda e ou sentiria a vibração positiva do reggae?
Finalizo com o teólogo Rubem Alves falando sobre a religião: “Ela se presta a objetivos opostos, tudo dependendo daqueles que manipulam os símbolos sagrados. Ela pode ser usada para iluminar ou para cegar, para fazer voar ou paralisar, para dar coragem ou atemorizar, para libertar ou escravizar” (ALVES, 2003, p. 104).
Em minha experiência com Deus, assim como, meu pensar teológico, defendo uma fé engajada e libertadora, uma vez que, como sugere o evangelho de Mateus nas bem aventuranças: “felizes os que tem fome e sede de justiça”. Não tenho respostas para tais questionamentos, todavia, não tenho medo de pensar.
 Muritiba, cidade serrana do Recôncavo da Bahia, 26-05-17.
Cláudio Márcio 
REFERÊNCIAS  
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Edições Loyola, 2003. 
ARAÚJO, João Dias de. Inquisição sem Fogueiras: a história sombria da Igreja Presbiteriana do Brasil. 3ª edição, São Paulo: Fonte Editorial, 2010.  
__________. O Cristo brasileiro: a teologia do povo. São Paulo: ASTE, 2012.  
BOFF, Leonardo. Igreja: Carisma e Poder. 2° ed. Rio de Janeiro. Record, 2010.
PINHEIRO, Jorge. Deus é Brasileiro: as brasilidades e o reino de deus. São Paulo, Fonte Editorial, 2008.  
SILVA, Elizete da. Protestantismo Ecumênico e realidade brasileira: evangélicos progressistas em Feira de Santana. Feira de Santana: UEFS Editora, 2010.  
__________. Religião e movimentos sociopolíticos: entre a devoção e a insurreição. In: SILVA, Elizete. NEVES, Erivaldo Fagundes (Organizadores). Cultura, Sociedade & Política: ideias, métodos e fontes na investigação histórica. Feira de Santana: UEFS Editora, 2014.  
TEIXEIRA, Faustino. Cristianismo e diálogo inter-religioso. São Paulo: Fonte Editorial, 2014.