sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A CABANA: o filme se fez carne...

“Dentre os muitos desafios que temos de enfrentar, um dos mais importantes hoje em dia é o da imaginação de outro tipo de crente. Imaginar, criar imagens de, figurar, desenhar, sonhar, formar” (Júlio Zabatiero)
Por: Cláudio Márcio[1]
Tive a oportunidade de assistir o filme A Cabana (direção de Stuart Hazeldine) e confesso que fiquei bastante indignado. Comecei a me indagar: como é possível líderes cristãos reclamarem dessas releituras imagéticas? Qual o problema de pensar Deus enquanto mulher negra e ou homem indígena, Jesus de Nazaré com características fenotípicas islâmicas e o Espírito Santo como mulher oriental?  Penso que o humano é criatura e criador de símbolos e percepções do mistério profundo que chamamos Deus. Sendo assim, problematiza-se: a quem interessa essa e não outra imagem do Divino?
Nos princípios de Fé e Ordem da Igreja Presbiteriana Unida (IPU), em relação ao texto bíblico diz: “as Sagradas Escrituras são o padrão de doutrina e ética. A IPU reconhece, contudo, diante delas, o direito a diferentes posicionamentos exegéticos e teológicos os quais, sob a influência de condicionamentos históricos, culturais e sob a orientação do Espírito Santo, transformaram-se e se transformam de acordo com as necessidades dos homens e passaram a constituir verdadeiro patrimônio espiritual da Igreja Cristã”. Dessa forma, Karl Barth já provocava: “é preciso ter a Bíblia numa mão e os periódicos na outra”. O Rev. João Dias de Araújo também contribuiu significativamente com a relação do texto sagrado e a questão da terra, da justiça social, da cultura popular brasileira.
Estou lendo o livro Reimaginar a igreja no Brasil (organizado por Clemir Fernandes e Flavio Conrado), nele, Marcos Monteiro abaliza: “ a história do Ocidente caminhou sempre e cada vez mais na relação com a Bíblia, modo complexo de se relacionar, em que a Bíblia ou foi amada ou foi temida (e até odiada), espaço de celebração ou de libertação, mas também lugar de medo e de dor”. Já Paulo Nascimento indaga: “por que nossa relação com a Bíblia não tem a mesma liberdade que Jesus de Nazaré tinha diante dos textos sagrados de sua religião?”.
            Bem, retomando ao filme, não desejando discutir seus aspectos mercadológicos de uma sociedade de consumo, mas, pensando na possibilidade de releitura das Sagradas Escrituras, de fortalecer as teologias emergentes na América Latina, fui extremamente impactado através da linguagem cinematográfica de leituras familiares sobre o Sagrado. Diante de dificuldades existenciais, crises e problemas que muitos enfrentam cotidianamente, outra percepção de si mesmo e do(a) Outro(a) faz a vida ser reinventada. Voltar a caminhar e sorrir. Temos que reler a Bíblia com coragem, responsabilidade e compromisso com a defesa da vida. Magali do Nascimento Cunha como uma das vozes do livro Reimaginar aponta: “fica a mensagem para nós, como igreja hoje, seguidores deste Deus, o totalmente Outro, o Incondicionalmente Outro, que chama peregrinos, estrangeiros, forasteiros, para serem o seu povo. Quem é o outro hoje? Quem são os peregrinos, estrangeiros, forasteiros que carecem de nossa acolhida?
Com efeito, encerro essa reflexão com uma imagem do filme e outra ocorrida esta semana. Tive a oportunidade de representar a Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra (CEDITER) no Encontro Nacional do Fórum Ecumênico ACT Brasil, 14 a 17 de agosto em Brasília. Participam do evento representantes da Aliança de Batistas do Brasil, CEBI, CEDITER, CESE, CESEEP, Christian Aid, CLAI, CMI, Comin, CONIC, Diaconia, FLD, Koinonia, PAD, Reju, SOS Corpo e UNIPOP. Experiência marcante e desafiadora. Fomos para uma vigília em solidariedade aos povos indígenas e quilombolas contra o marco temporal na frente do STF no dia 15. Lá, em diálogo com dois grupos que ali estavam os Guarani Kaiowá (região de Dourados, MS e Guarani Nhandeva da região sul), vi movimentos sociais, pesquisadores, líderes religiosos, jovens universitários, etc.
Fomos abençoados por eles. Ora, sou do território do Recôncavo da Bahia, pensar o rosto de Deus negro é um exercício reflexivo teológico que realizo, todavia, a face dEde no indígena não é tão familiar para mim. Ali, em meio aquela manifestação, vi a face de Cristo. Eu que sou líder religioso, reverendo da IPU, fui capaz de perceber Jesus de Nazaré (também) nos povos indígenas.  No filme Deus aparece como indígena. Na frente do STF, a imagem do filme se fez carne.  Não é exagero algum concordar com Nancy Cardoso Pereira no livro supracitado que: “em nome de Deus profetas e sacerdotes dizem mentiras”. Contudo, o que presenciei no Fórum Ecumênico ACT Brasil, foi o compromisso de organizações em defesa da vida em sua diversidade.    



[1] Reverendo da IPU em Muritiba-BA.

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