Por: Cláudio
Márcio Rebouças da Silva[1]
Gosto da espontaneidade das crianças que muito nos ensinam e nos desafiam. Ao sair para entregar kits lanche da Turma da IPUzinha em bairro carente de Muritiba-Ba, eu e Jussi levamos nosso sobrinho como ato pedagógico, almejando inculcar valores de solidariedade e compaixão com pessoas em vulnerabilidade social. Confesso que os olhos dele (Gui) brilham em saber que naquele momento é capaz de cuidar de alguém. Fica feliz e quase eufórico.
Entretanto,
seus olhos também se entristecem pelo fato de saber que os kits não são o
suficiente para o número de crianças que cercam nosso carro e ele fica
preocupado com quem não conseguiu receber. Através dessa experiência ele
aprendeu que não deve esperdiçar comida e ou estragar a roupinha, pois, há
muita gente com necessidades múltiplas na própria cidade que ele mora.
No retorno, saindo do bairro e indo
para nossa casa eu disse: “Gui, que bom que foi possível ajudar alguém hoje.
Vamos agradecer a Deus por isso”. Aí que vem a espontaneidade linda da
criança ao dizer: “Tio cacau, Deus que tem que agradecer a gente por ter
feito o trabalho dele”. Essa narrativa é profunda e não herética como
alguns podem imaginar. É sobre espiritualidade e serviço em parceria com Deus
que se trata.
A
relação entre Igreja e Sociedade é demasiadamente desafiadora, pois, ambas são
formas de organização social e, não menos, de controle, logo, possuem suas
especificidades e também suas limitações. Neste sentido, é preciso
problematizar: que modelo de igreja e de sociedade queremos e ou precisamos? O
que leva alguns grupos cristãos a tentar sobrepor a Bíblia diante da
Constituição brasileira?
Ao
olharmos a narrativa bíblica do Evangelho de Lucas 4:14-21 para o Terceiro Domingo
do Tempo Comum, percebemos o filho de Deus levado pelo Espírito para sinagoga e
tendo acesso à leitura do profeta Isaias diz: “o Espírito do Senhor é sobre mim,
Pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados
de coração. A pregar liberdade aos cativos, E restauração da vista aos cegos, A
pôr em liberdade os oprimidos, A anunciar o ano aceitável do Senhor” (Lucas 4:18-19).
Com efeito, Jesus de Nazaré é ungido
para o serviço do Reino, ou seja, de justiça e liberdade a todos(as) que
necessitam, assim, o que isso de fato pode nos ensinar em 2022 no território de
identidade do Recôncavo da Bahia? Suspeito que seja necessária uma outra
percepção de espiritualidade mais madura e ampla, uma vez que, é notório que
líderes religiosos cristãos reivindicam uma dimensão simbólica da unção que é
contrária a prática de Jesus (o camarada de Nazaré).
De fato, essa unção que tanto falam
que possuem é para terem prestígio, poder e controle dos fiéis. Em nome dessa
suposta unção eles(as) querem impor sua fé particular no espaço público. Eles
possuem um projeto de poder em que o voto de cajado é uma estratégia para
benefício de suas instituições e se esquecem do serviço e do amor ao próximo,
isto é, se esquecem da orientação bíblica ao assinalar: “visto que Deus
assim nos amou, nós também devemos amar-nos uns aos outros” (1 João 4:11).
Numa abordagem reformada-ecumênica
aprendemos com Jesus e com homens e mulheres a viver uma espiritualidade
humanizadora. A compaixão daqueles e daquelas que encontramos na jornada com
suas pluralidades singulares nos sinalizam, de algum modo, que a relação entre
Igreja e Sociedade carece de compromisso com a justiça social, assim sendo, uma
experiência de fé madura não deve jogar para Deus o que é responsabilidade sua.
Somos
nós que devemos assumir o mutirão do Reino com as mãos dentro e fora dos
espaços eclesiásticos. É urgente a compreensão que toda vida é sagrada e que
nós devemos derrubar muros de inimizades e criar pontes para que possa existir
uma grande ciranda fraterna e potente onde a beleza das flores seja mais
encantadora que as balas dos canhões. Onde o canto dos pássaros seja mais familiar
do que ver um corpo afro-indígena sangrando nas periferias da nação.
Servir
ao próximo é se abrir para um mergulho na alteridade e na empatia. É saber que
só somos com e a partir do outro, isto é, somos em comunhão fraterna. Bem, só
quero e ou acredito na unção do Espírito Santo se for para servir quem
necessita de pão, ombro, abraço, afeto, moradia, saúde, educação de qualidade,
democracia efetiva, ou seja, se o óleo de Deus em minha cabeça não for para que
eu possa ir em direção ao outro em amor e libertação, talvez, honestamente, eu
não deva nem ser chamado de cristão.
[1] Reverendo da Igreja Presbiteriana
Unida do Brasil em Muritiba (cidade serrana do recôncavo baiano).
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