segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Até Quando?

“Vamos amigo lute
Vamos amigo lute
Vamos amigo lute
Vamos amigo ajude, se não
A gente acaba perdendo o que já conquistou
A gente acaba perdendo o que já conquistou

Vamos levante lute
Vamos levante ajude
Vamos levante grite
Vamos levante agora
Que a vida não parou
A vida não para aqui
A luta não acabou
E nem acabará
Só quando a liberdade raiar
Só quando a liberdade raiar”. (Edson Gomes)

Salta aos olhos de qualquer observador por mais desatento que seja o caos social em que nos encontramos, onde o modelo econômico capitalista-opressor tem excluído uma grande maioria de habitantes desta aldeia global, na luta de um lugar ao sol. Porém, sabe-se que humano e sociedade transformam-se a cada momento por interesses diversificados. Isto é, o humano é histórico e possui sua singularidade e ao mesmo tempo é “um ser aberto, em construção, inacabado” (Leonardo Boff).

Diante disso, a história nos mostra que muito sangue já foi derramado por motivos político-religioso-econômico de grupos que não abriam mão do poder que animalizava o humano em todas as dimensões de sua existência. Entretanto, quanto sangue ainda será derramado? Até quando?

Existem duas divindades gregas desafiadoras à nossa vivência cotidiana. A saber: Apolo (regra, ordem) e Dionísio (festa, celebração, desordem). Penso que essas duas dimensões são necessárias para o nosso viver social. Contudo, o que controlará as nossas ações nesta caminhada? Ou seja, como saberemos quando obedecermos ou não? Quando a desordem será necessária?

Acredito que a luta pela justiça e a dignidade humana devem trazer motivação a nossa caminhada. É certo que muitos perguntarão: o que é justiça e ou para quem? O que está sendo chamado de dignidade humana? No entanto, olho para o lado e me pergunto, até quando?

Em uma das canções de Nengo Vieira (cantor de reggae do recôncavo baiano), ele diz: “Roda tudo que ele poderia ter /fora o mundo que ele tem pra merecer /com o trabalho, com a dureza da servidão /sobrevive permanente na escravidão /perde a vida pra poder ganhar o pão /ninguém liga se ele vai mudar ou não”. Surge então a pergunta, quem está se preocupando com o marginalizado? Quem continua nas ruas empoeiradas e sem direito ao pão nosso de cada dia? Essa pessoas estão sendo vistas ou são invisíveis?

De um modo geral todos nós estamos muito ocupados com o trabalho, com a universidade, família, grupos sociais ( sindicato, igreja, escola...) que não podemos parar para atender o outro. Desta maneira, o texto bíblico que fala do bom samaritano traz uma contribuição significativa nesta discussão, onde um homem tinha sido assaltado e deixado no caminho com muitos ferimentos precisando de ajuda. Nesta narrativa, Jesus de Nazaré mostra que um sacerdote e um levita passam pelo samaritano e não o ajudam.

No entanto, na perspectiva da lei judaica eles estavam corretos. Pois, se tocassem naquele homem não poderiam cumprir suas obrigações no templo (estariam impuros). Porém, o Cristo lança um desafio: o que é mais importante, a vida ou a lei? De modo que o ferido e marginalizado foi acolhido por um samaritano que era inimigo dos judeus.

Logo, podemos nos perguntar: a lei não seria estabelecida para a manutenção da vida, da justiça e do bem comum? Não é novidade que em muitos casos a lei tem sido usada por interesse dos que estão no poder para oprimir e manipular o humano (sobretudo índios (as), negros (as), homossexuais, mulheres...). Daí, quem é capaz de escutar este clamor? Nengo continua: “Trabalhador com muito amor vive na paz de Deus /na luz do Senhor que alivia a dor que é forte demais /mas a pureza e a beleza do seu coração/é mais que tudo, que qualquer dinheiro da grande nação”

Desta maneira, fica o desafio diante de cada um de nós que vivemos “ nesta casa comum”(Boff), e renasce a pergunta: até quando? Políticos desviarão o dinheiro público e continurão no poder. Até quando? Crianças nas ruas a mendigar as migalhas dos detentores do capital. Até quando? Mulheres estarão em um lugar de submissão diante do homem, serão espancadas e receberão menos no mercado de trabalho. Até quando? Homens e mulheres por terem uma opção sexual diferenciada irão morrer e ou sofrerem violência físico-moral. Até quando? Os negros(as) estarão associados a imagem do diabólico, do desonesto, do malandro? Até quando? Nordestinos serão sinônimo de preguiçosos, mão de obra barata e analfabetos no sul e suldeste do Brasil. Até quando? Índios e quilombolas ficarão sem sua terra, sem chão. Até quando? Líderes religiosos abusaram de crianças e viverão a simonia. Até quando? Idosos não mais curtirão as praças, devido ao problema da violência e a marginalização dos cabelos brancos. Até quando? Militares não cumprirão o seu papel social e ficará difícil perceber quem é bandido e quem é policial. Até quando? Bandidos invadirão nossas casas, levarão o nosso dinheiro e ferirão nossa família. Até quando? Os traficantes ficarão mais poderosos e as mães dos usuários chorarão pelo seu filho que foram para um caminho que ...terá volta? Quantos ainda vão morrer? Quanta lágrima será derramada?

Uma coisa é certa: é evidente que as questões socias não são simples de serem melhoradas e ou transformadas. Porém, essas questões ainda incomodam você? Neste jogo da vida, neste campo de batalha, o humano e sua complexidade caminha pra onde?

Enquanto isso, Nengo continua: “ Roda, roda, roda ô pião/ na roda da vida”.

Diante disso, onde estão os messias do século XXI? Pois, pensar a diversidade humana é perceber antes de qualquer coisa que o humano é um ser social e que a questão ontológica necessariamente passa pela dimensão da relação com o outro. Ou seja, de uma forma ou de outra como afirmou Martin Luther King: “ o que afeta um diretamente, afeta a todos indiretamente.”

A história nos mostra que com a “descoberta” do novo mundo, o europeu depara-se com o diferente, com o desconhecido que era tratado como selvagem, imaturo e decaído. Desta forma, índios e negros eram tratados como objeto que proporcionava lucro aos seus senhores. Como eles não tinham alma tudo poderia ser feito com eles, desde a mão de obra, ao prazer sexual. Logo, a diversidade humana possui suas dimensões de encantamento e apavoramento.

Sendo assim, Soren Kierkegaard afirma: A vida só pode ser entendida olhando-se para trás. Mas só pode ser vivida olhando-se para frente. E, é diante das adversidades que todos nós somos desafiados à caminhada em favor da vida e do bem comum. Descobrindo formas de lutar contra o capitalismo que exclui e gera extrema pobreza para aqueles que buscam um lugar ao sol. Pois, segundo Foucault: “ Devemos não somente nos defender, mas também nos afirmar, e nos afirmar não somente enquanto identidades, mas enquanto força criativa.” Ou seja, agir na resistência, em uma mimese criativa sempre duvidando e questionando aquilo que está a nossa volta.

Penso que necessariamente vivemos um momento em que precisamos resgatar a figura do messias libertador e agitador das estruturas opressoras da nossa sociedade. No entanto, nos perguntamos? Eles ainda existem? Onde estão? Na academia ou nas esquinas do cotidiano? É claro que se torna relevante nos perguntarmos qual o nosso papel na sociedade?

Chegou o momento definitivamente de sairmos da caverna pela luz da razão e do conhecimento. O que necessitamos enquanto comunidade é de um novo olhar para nós mesmos e para o outro. Logo nos perguntarmos estamos a serviço de quem?

A história nos mostra paradigmas que nos desafiam e nos mostram que os sinais de metamorfose ocorrem a partir de uma e ou poucas pessoas. Vamos trazer a memória Antônio Conselheiro no sertão da Bahia no Brasil República, Zumbi dos palmares nos quilombos em Alagoas contra a escravidão, Moisés no antigo testamento que resgata os hebreus das mãos de faraó, Rosa Parks contra a segregação racial nos Estados Unidos, D. Helder Câmara contra a ditadura militar e a favor da justiça social, Irmã Dulce e sua espiritualidade do serviço e do cuidado com o próximo, Gandhi e a luta pacífica contra o imperialismo britânico na Índia, Bob Marley através de suas canções em prol da emancipação política e mental de seu povo e tantos outros e outras.

Desta forma, estamos diante de embates ontológicos onde nos perguntamos: é possível outro mundo? Outra realidade? Outro modelo econômico? Uma coisa fica muito clara diante de nossos olhos: é que precisamos resgatar essas figuras messiânicas em nosso século XXI. Vivemos um momento de crise onde necessitamos (clamamos), por mudanças, por justiça social. Somos desafiados a sentar-se a mesa comum para estabelecermos um diálogo com o outro que é diferente, mas, é a partir da relação com o outro que descobrimos quem “somos.”

Urge então, um novo olhar e uma nova práxis libertadora em defesa da vida em todas as suas dimensões. E que possamos ver homens e mulheres acreditarem em outro modelo (outra realidade), para suas jornadas. Que o nosso caminho em sua totalidade sinalize outras possibilidades e que a utópica sociedade alternativa nos desafie e encoraje à nossa missão e ou função social. Pois, como afirmou Mahatma Gandhi: “Não sou um utópico - sou um idealista prático”.

Fraternalmente, Rev. Cláudio Márcio

Um comentário:

  1. Olá, Cau! O texto bíblico citado,a saber, a parábola do bom samaritano, nos confronta enquanto cristãos que somos, uma vez que a crítica feita por Jesus aos religiosos da sua época nos afeta profundamente, nos fazendo compreender que não é possível servir a Deus sem se comprometer com a dimensão humana... Aqueles homens (o levita e o sacerdote), estavam indo à casa de Deus, à procura de Deus e não pereceberam que Deus estava ali, à beira do caminho... Que Deus nos dê sensibilidade para considerarmos a dor do outro a nossa própria dor e atentarmos mais para o quadro de necessidades dos que estão próximos a nós! Um abraço fraterno!

    ResponderExcluir