Por: Joel Zeff[1]
Alegria é um sentimento “plástico”, maleável:
depende muito da visão de mundo que temos. Há quem encontre alegria em coisas
superficiais, como um carro novo, ou um título. Há quem seja mais exigente, e
cave mais fundo, e se sinta tal qual o poeta maluco beleza: “Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso; Por ter finalmente
vencido na vida;
Mas eu acho isso uma grande piada; E um tanto quanto perigosa.”
A
verdade é que nesses tempos que vivemos, onde de alguma forma, toda a
humanidade teve que encarar seriamente os limites de sua existência, e onde as
“distrações” que normalmente utilizávamos para ignorar a complexidade da vida
nos foram retiradas, a alegria aparece não mais sendo vendida como uma promessa
fácil em comerciais de 30 segundos. Aliás, continuam sim tentando vender. Mas
algo nesse ano sombrio faz com que muitos desconfiem seriamente desses
artifícios e enganos com os quais nos acostumamos, mas não devíamos.
Isso
não significa, porém que devemos sucumbir a um pessimismo cego e imobilizante,
pois como diz outra canção “A tristeza é uma forma de egoísmo” – isto é, ficar
se lamentando o tempo todo sobre nossas dificuldades pessoais não resolve nada.
Há tempo sim para o lamento e o choro – sinal de que não perdemos a empatia,
que somos humanos de verdade, e que não estamos entre aqueles que se
bestificaram tal qual Caim, que respondeu ante a pergunta Divina: “onde está o
teu irmão?” com um tipo, “E daí, eu sou coveiro?”. Não, esse foi outro! Caim
respondeu: sou eu o guarda do meu irmão? Mas o espírito do mal perverso e
assassino é mesmo em ambas as frases.
Mas
enfim, para além da dor, ou em meio a dor é possível renascer a alegria? Onde
será que podemos encontrar energias para “ressuscitarmos” das muitas mortes –
reais e figuradas – com as quais tivemos que lidar ao longo desse difícil 2020?
Estamos no Advento, tempo de anunciar novamente, e mais uma vez, que Deus não
está acima de todos: ele está no meio de nós. Ele é o “Emanuel, Deus-conosco”.
Sua vinda e sua presença mesmo em meio “as dores do mundo” é fonte principal de
nossa esperança teimosa, insistente, lutadora, indignada e esperançosa.
É
assim que o livro de Isaías anunciava a um povo que tinha vivido expropriação e
cativeiro. “Que todo vale seja
aterrado, que toda montanha e colina sejam abaixadas: que os cimos sejam
aplainados, que as escarpas sejam niveladas!”. Isaías teimava em sonhar mesmo
em tempos de cativeiro: “Eu tenho um sonho” bradou o profeta e pastor Dr.
Martin Luther King Jr. Sonhos de equidade racial em meio a uma sociedade
dividida pelo racismo dos maus.
É assim que a poeta bíblico anuncia em uma
imagem de beleza e afeto corpóreo, que, “Próxima está a sua salvação dos que o
temem, para que a glória assista em nossa terra. Encontraram-se a graça e a
verdade, a justiça e a paz se beijaram”. Em tempos de
isolamento e distanciamento, ousamos sonhar com abraços e beijos! Corpos em
encontros fraternos e sororais, plenitude da vida, prenúncio da alegria.
Ainda não estamos lá, é verdade. Mas o Evangelho nos diz
para “preparar o caminho”. E talvez a gente encontre a alegria já aí: na
preparação, na expectativa. “Irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova
terra um novo mar, e nesse dia os oprimidos a uma só voz irão cantar” / “Faz-se
noite mas eu canto” / “Mesmo escura a noite, brilha a tua luz...”. Sim, na
poesia que inventa mundos novos, mais generosos e mais plenos para todas as
pessoas, renascerá a alegria.
“Vai passar...”
Joel Zeferino,
Salvador, 04 de dezembro de 2020.
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