Por Rev. Alexandre
de Jesus[1]
Em meio a este cenário produzido pela
pandemia, tenho me deparado com tentativas diversas de interpretar os
acontecimentos. Alguns apelam para o argumento da ira divina e para um
horizonte apocalíptico como explicação para tudo isto que nos afeta como
humanidade. Mas também tenho sido interpelado por alguns que, em nível
individual, perguntam: "Por que Deus permitiu tudo isto? Sendo Ele
poderoso, pode pôr um fim a estas coisas, por qual razão não o faz?" Ou
seja, honestamente reavivam a clássica questão acerca do mau no mundo.
A tradição protestante reformada busca o
equilíbrio entre, por um lado, crer em Deus enquanto soberano e, por outro, não
abolir deste horizonte de fé a responsabilidade humana sobre as coisas que
resultam de suas ações neste mundo.
Entre os reformados, isto é compreendido
como paradoxo. O Deus soberano governa sobre todos os acontecimentos, nada
escapando á sua vontade, porém de uma forma que a responsabilidade dos seres
humanos não seja abolida, tornando Deus culpado pelo mau neste mundo.
Em não raras ocasiões, ao lidar com este
paradoxo, as pessoas enfatizam demais a soberania divina. Como, por exemplo,
estes que buscam na ira divina a razão de ser dos acontecimentos desta
pandemia. Estabelecem uma lógica meritocrática e constroem argumentos do tipo:
pessoas se recusam fazer a vontade de Deus e por isto estão sendo punidas por
ele. Mas como ficam aqueles que são julgados como cumpridores da vontade de
Deus, uma vez que estes também estão morrendo? Já que o coronavirus não tem
discriminado crentes seja de qual religião forem ou ateus, todos estão
igualmente morrendo. Se encontramos algum desequilíbrio no tocante a quem está
morrendo ou sofrendo devido a pandemia, podemos reconhecer que os mais afetados
o são por razões sociológicas que evidenciam o desequilíbrio. Tais como pobres
ficando mais pobres e morrendo em maior número como consequência das
desigualdades sociais e econômicas, seja para se manterem em isolamento ou seja
por, quando se vêem doentes, só lhes restar um precário sistema público de
saúde como alternativa.
Este último dado evoca novamente o
elemento da responsabilidade humana em contraposição á soberania divina.
Condições sociais e econômicas tornam os pobres os mais vulneráveis nesta
pandemia, e isto é consequência das ações humanas que historicamente submeteram
estas populações a tais condições.
O vírus, outrora, oculto, em florestas e
ambientes naturais, foi espalhado pelo planeta, quando humanos começaram a
invadir estes ambientes florestais em suas atividades predatórias ou de
exploração econômica em larga escala para atender a procura por bens de consumo
cada vez mais crescente na humanidade.
E uma vez que o vírus se espalhou, também
é de responsabilidade humana, as atitudes de descaso, de minimizações ou de
omissões praticadas por governantes na gestão dos eventos desencadeados pela
pandemia. Testemunhamos isto na Espanha, na Itália, e agora nos Estados Unidos
de Trump e no Brasil com Bolsonaro. Neste último país, após mais de 90 mil
mortes, o presidente Bolsonaro cinicamente aparece diante da imprensa com
caixas de remédios sem eficácia comprovada para combater a Covid ou mostrando
bananas para os repórteres. Por sinal, mantendo-se na mesma linha de ação que
assumiu deste o início da crise. Desmantelou o ministério da Saúde, depois do
pedido de demissão de dois ministros, deixando até o momento o ministério sob a
condução de um ministro interino. Tentando ocultar da população dados sobre a
quantidade de mortes e de contágio, agredindo a imprensa, demonstrando desdém
pelas vítimas quando interrogado por repórteres acerca do crescente número de
mortos. Incentivando aglomerações, sendo péssimo exemplo por não seguir
recomendações dadas por epidemiologista para conter a disseminação do vírus.
O teólogo luterano, Paul Tillich, utilizando
outros termos, de certo modo, também lida com este paradoxo da soberania de
Deus/responsabilidade humana. Tillich propõe os pólos da liberdade/destino, não
como se o destino fosse algo previamente determinado, mas como resultado do uso
da liberdade.
Diante disto, pergunto: se ao invés de
interpelarmos a realidade, seguindo uma lógica de castigo e recompensa oriundos
da parte de Deus, identificarmos a nossa responsabilidade em tudo isto que está
acontecendo? E também pensarmos a respeito de como escolheremos agir para
resolver os problemas, ou seja, escolher o caminho de solidariedade e empatia
ou de egoísmo. Ou ao invés de tentar perscrutar o que é misterioso e
transcendente numa fulga ou alienação do que está bem evidente diante de nós,
devamos responsabilizar a quem tem responsabilidade, exigir tomadas de atitudes
diante da crise a quem for responsável por as tomar.
Parabéns pelo seu Ministério que Deus te uso em sabedoria e conhecimento.
ResponderExcluir🤝🏽🙏
ExcluirEstava pesquisando sobre soberania divina e responsabilidade individual e seu texto contribuiu para meus estudos. Gratidão!
ResponderExcluir😉🤝🏽
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