domingo, 9 de fevereiro de 2020

Fé, subversão e esperança: João Dias, presente!


Por: Cláudio Márcio R. da Silva[1]

“Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era João”. (João 1.6)

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”. (Mt 5:6)

Hoje (09-02-2020) faz 6 anos do falecimento do Rev. João Dias de Araújo. Confesso: ele faz muita falta! Como sua voz seria importante diante deste contexto fundamentalista e manipulador em que líderes religiosos-políticos em nome da família, dos bons costumes, da tradição, da religião, da bíblia, da fé e de Deus, constroem espaços de poder para oprimir e silenciar majoritariamente o “povo” brasileiro! São mercenários da fé e exploradores políticos, hipócritas! Pensam que fugirão da ira vindoura? Saibam que (assim como João Dias) “aos poderosos eu vou pregar, aos homens ricos vou proclamar que a injustiça é contra Deus e a vil miséria insulta os céus”.

Sou discípulo de Jesus de Nazaré, assim, com ele e com João Dias, aprendi a defender a vida e a lutar por justiça social. Tive o imenso prazer de ser aluno do Rev. João Dias em Feira de Santana-Ba. Não imaginava que minha vida seria completamente modificada, pois, foi com ele que aprendi que a produção teológica deveria estabelecer um diálogo profundo com as brasilidades, com as culturas populares. Foi com ele que aprendi que minha fé deveria (de algum modo) gerar dignidade humana para humanos diversos.
Lembro que João Dias abria a bíblia na sala aula e fazia a leitura de uns versos, depois orava e, a partir deste ritual, apresentava e discutia conhecimentos teológicos contemporâneos. Sempre incentivou aos seus estudantes a lerem clássicos da literatura brasileira, romancistas, folcloristas, poetas, cordelistas (já que estávamos inseridos no nordeste brasileiro). Também com João Dias pude ampliar meu olhar como cristão reformado ecumênico e Latino Americano. Como viver as boas novas neste chão? Como comunicar essa excelente notícia a partir da nossa efervescência cultural?
Com efeito, pude estabelecer uma amizade muito bonita com ele e também com a  saudosa presbítera Ithamar Bueno. Partimos o pão eucarístico em celebrações eclesiásticas, mas, também frequentei sua casa e biblioteca, tomei café e vinho, partilhei do pão da comunhão e do riso. Recebi conselhos, falei de minhas crises e medos. Vi que era possível uma outra leitura da bíblia, da vida. Nutri minha esperança!
De fato, João Dias se tornou um símbolo de subversão, de recriação, de uma fé pública que reconhece o lugar da laicidade do Estado e não tenta estabelecer uma “teocracia à brasileira” como atualmente as bancadas do “boi, bala e bíblia. Definitivamente, não! João Dias estabeleceu uma espécie de “rebeldia institucionalizada”, logo, contribuiu de maneira significativa com inúmeras famílias de agricultores em solo baiano ao criar a Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra (CEDITER) com sede na cidade de Feira de Santana-Ba.
Desta maneira, caminhar com João Dias foi um privilégio, entretanto, um desafio enorme, pois, trago em meu corpo suas marcas e tento, de alguma maneira, responder cotidianamente um questionamento de tirar o sono: “o que estou fazendo se sou cristão?” Seguir seus rastros no campo educacional, teológico, ecumênico é uma tarefa muito complexa, uma vez que, João Dias é um daqueles que “alvoraçou o mundo” (At 17.6). Um profeta e poeta. Um servo de Deus não no aspecto de exercer o pastorado, mas, por ter estabelecido uma práxis libertadora e humanizadora.
É muito bonito e significativo saber que o Centro de Pesquisa das Religiões (CPR) da Universidade Estadual de Feira de Santana-BA (UEFS) leva o nome do Rev. João Dias de Araújo. Também na Faculdade Unida de Vitória-ES (FUV), a cátedra de Teologia Pública e Estudos da Religião é em homenagem a ele.
Escrever esse texto é um ato político! Rememorar para avançar! É um testemunho e um convite para que novos líderes religiosos saibam da sua existência e sejam também comprometidos com o paradigma que ele estabeleceu. “Não só a alma do mal salvar, também o corpo ressuscitar”. É preciso continuar o processo reflexivo entre Igreja e Sociedade para que uma nova espiritualidade seja estabelecida promovendo equidade social para a diversidade humana. A obra de Deus é feita por muitas mãos. Espero que você esteja disposto(a) a construir “o mutirão do Reino de Deus”. Como abalizou Richard Shaull: “orar, estudar e agir”.






[1] Reverendo da Igreja Presbiteriana Unida em Muritiba (cidade serrana do Recôncavo baiano) e moderador do Presbitério do Salvador.

2 comentários:

  1. Que texto maravilhoso! Lembro com saudade que todas as aulas ele abria a biblia e fazia um momento antes das aulas. Quantas vezes anotei para fazer o sermão de domingo!

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