Por: Francisco Leite[1]
O
conjunto de livros que nós cristãos denominamos Antigo Testamento pertencem a
um contexto histórico-social em que o mundo possuía uma hierarquia patriarcal
muito bem delineada, nesse modo de compreender as coisas, a família estava na
base da sociedade e várias famílias compunham um clã, ou seja, um pequeno grupo
de pessoas que possuiam laços de consanguinidade e, por fim, a totalidade dos
clãs compunha a tribo, em grego: ethnys – de onde vem a palavra que conhecemos
em língua portuguesa como etnia.
Em cada degrau da pirâmide havia um líder, no governo da
tribo havia um rei que era a autoridade maior da nação (mesmo que em
determinados contextos em que a nação estava escravizada o título de rei era
apenas simbólico), submissos ao líder tribal estavam os chefes dos clãs e, por
fim, cada família era representada nessa sociedade por um Pater famílias, assim,
desde a base da sociedade a liderança dos grupos sociais sempre estava nas mãos
de uma figura autoritária de gênero masculino.
Nesse contexto, mulheres e crianças não significavam nada
do ponto de vista político, por isso sempre vemos o mesmo refrão nos textos
bíblicos que numeram determinada população: “tantos e tantos homens...sem
contar mulheres e crianças”, pois o que interessava mesmo era o número do
contingente disponível para atuar no campo de batalha. Desse modo, no contexto
semítico a mulher era considerada um objeto do homem, útil para a procriação,
por isso um homem que tinha condição financeira poderia ter várias mulheres.
Além da procriação, a mulher era útil também para
administração de serviços domésticos que eram considerados desonrosos ou
inadequados para os homens, como cuidar das crianças, supervisionar escravos,
cozinhar, limpar, tirar água do poço, tecer, etc. Elas faziam mais ou menos as
essas coisas, às vezes umas coisas não e outra sim, de acordo com a classe
social que pertenciam, e esses serviços que no geral podem ser considerados
“administração do lar” geraram a palavra “economia” [greg. oikonomia], que não
passava de uma tarefa subalterna em vista do que faziam os homens.
No entanto, no
livro de Gênesis: Sara, Rebeca e Raquel – mulheres que foram desposadas pelos
patriarcas: Abraão, Isaque e Jacó – tinham pelo menos duas diferenças
essenciais em vista das mulheres submissas, consideradas “virtuosas” pela
cosmovisão semítica. Em primeiro lugar, todas elas eram estéreis, não podiam
dar à luz crianças, então não poderiam cumprir o que os antigos consideravam
ser a tarefa mais elementar da vida de uma mulher. Em segundo lugar, essas
mulheres não aceitaram ser meramente administradoras do lar, mas ao invés
disso, influenciaram determinantemente no futuro da vida das nações, as quais
eram representadas por seus maridos, e foi justamente a elas que Deus escolheu,
mesmo sem serem mães e submissas aos seus maridos.
Através de cada uma dessas mulheres – no caso, matriarcas
– a vontade de Deus se cumpriu quando elas estavam sendo insubmissas às
vontades de seus maridos. Sara procedeu assim quando riu da promessa de Deus, a
de que ela geraria filhos depois de idosa, e ela também agiu assim ao alterar o
destino das nações abraâmicas, permitindo que viesse ao mundo a grande nação
dos ismaelitas. Rebeca interferiu na escolha do filho que seu marido elegeria
para receber a bênção da primogenitura e assim fez de Israel o filho da
promessa realizada por Deus. Por fim, Raquel, para competir com sua irmã na
geração de filhos, proporcionou que seu marido tivesse muitos filhos e
completasse o específico número “doze”. Graças à subversão delas tudo ocorreu
conforme os planos de Deus. Portanto vemos que Deus elegeu justamente às
estéreis e insubmissas e fez delas mães de nações.
Hoje, no dia das mães, homenageamos as mulheres que se
deixam ser usadas por Deus quando subvertem o autoritarismo dos homens e da
sociedade patriarcal que quer vê-las caladas, apenas realizando suas atividades
domésticas; as mulheres que têm amor maternal não apenas por aqueles que foram
gerados por elas, mas também por muitos outros filhos e filhas que, muitas
vezes, não teriam o amor materno de sua própria progenitora, o que podemos
dizer que é o amor materno que supera a consanguinidade. Ao amor dessas mulheres, Deus comparou o afeto
que ele próprio tem pela humanidade; à atividade dessas mulheres, o próprio
Jesus comparou a atividade consoladora do Espírito Santo.
Que Deus abençoe as mães e lhes dê graça numa sociedade
que pretende silenciá-las qualquer custo!
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