Por: Cláudio Márcio
Quem é o meu próximo? Essa é uma
questão central para nossa caminhada enquanto cristãos reformados e
ecumênicos na América Latina, pois, durante muito tempo, fomos tratados como corpo
objeto que podia ser vendido, escravizado, brutalizado, acorrentado,
humilhado e massacrado sem piedade alguma. Ter ou não ter alma? Humano ou não
humano?
O processo civilizador cristão, machista, branco,
europeu (com a Bíblia na mão e a cruz que se transformou em espada) gerou muita
violência e opressão para povos originários e africanos. Sabe-se que em nome de
deus, da ciência, da economia, da modernidade e da tecnologia, grupos sociais
subjugaram outros grupos e muito sangue foi derramado. Aqui não cabe saber quem
é mais ou menos culpado, mas, faço apenas um convite para uma reflexão mais
séria e complexa que precisa ser estabelecida. Há redes construídas dentro de
processos históricos e sociais e a bíblia, por exemplo, fez parte da construção
do ocidente com muitas ambivalências de vida e morte.
Numa abordagem sócio-antropológica, é possível afirmar
que cada grupo social possuí suas regras e paradigmas de socialização, isto é,
seus ritos de passagem, seus valores, suas múltiplas formas de viver e
interpretar o cotidiano. Com efeito, há uma diversidade de expressões culturais
que deve ser respeitada e garantida no processo histórico.
Entretanto, é importante ressaltar que segundo o
sociólogo francês Émile Durkheim: “ao classificar algo você hierarquiza”,
assim sendo, o modelo europeu foi
imposto como superior e naturalizado ao longo dos anos. Todavia, há e sempre
haverá, resistências e maneiras de (re)criar a vida e as relações sociais.
Uma das formas de resistir é a partir da releitura do
texto sagrado dos cristãos, logo, o
que está escrito na Lei? Como lês? Não basta pertencer a tradição e ou ler
a bíblia. O questionamento de Jesus é de extrema relevância para nossa
interpretação hoje, pois, sem dúvida alguma, a narrativa bíblica desafia-nos
mais uma vez para o dilema da alteridade. Como ser cristão e não viver em
solidariedade? Como ser cristão e não defender a causa dos imigrantes? Como
achar que é normal gays sangrarem até a morte? Como se conformar com o
extermínio da juventude negra? Como ficar em silêncio diante de mulheres que
são agredidas?
Em MT 23.27-39 há uma denúncia da espiritualidade
superficial, fétida e aparente que mata os profetas e rejeita o colo amoroso de
Deus. A experiência de Jesus de Nazaré é um grande convite para nossa
conversão, ou seja, o amor precisa vencer o ódio. É preciso aprender a perdoar,
a mudar, a recriar, a seguir. O outro é o espelho da nossa humanização mútua,
isto é, o convite de Jesus é para uma espiritualidade da solidariedade, do
cuidado, da compaixão e do serviço.
É necessário
agir de maneira íntegra e com empatia, uma vez que: “não há judeu nem grego;
não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em
Cristo Jesus”(Gl 3.28).
Irmãos e irmãs, a responsabilidade
que temos é muito grande, todavia, sabemos também que é uma alegria e um prazer
servir ao Senhor. Lembrem-se: não é suficiente ser religioso! O que temos
feito com aqueles e aquelas que encontramos no caminhar? Encerro com um
fragmento do diálogo dos personagens Chicó e João Grilo no filme O Alto da
Compadecida: “Jesus às vezes se disfarça de mendigo pra testar a bondade
dos homens”.
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