Por: Paulo
Roberto[1]
Sempre gostei da ideia de escrever acerca dos finais de tarde, da sensação de encanto e afeto que me traz a retirada do sol de nosso horizonte... Não sei de dizer ao certo, mas, o que me obstruía de tal intento, quiçá, fosse o fato das minhas lembranças mais remotas acerca dos finais de tarde me trazerem uma significativa carga de dores e tristezas, em meio as ausências geradas por uma infância pobre. Contudo, mesmo em meio aquele chão sem piso, aquelas paredes que, ainda que pintadas, não escondiam as durezas materiais da pobreza, daquele telhado revestido de telhas velhas, daqueles quartos, tal qual o quarto de despejo de Carolina de Jesus, mesmo em meio a tudo isso, consigo, agora, acessar algo tão bonito, tão palpavelmente sereno e lindo.
Recordo-me disto ao me encontrar ouvindo
uma rádio de músicas antigas e, tomado por essas canções, minha memória me
arrebatou, levando-me ao esforço diário de Mainha em encerar aquele chão
cimentado, com um vigor e força tamanha, como se quisesse, mesmo que soubesse ser
impossível, esconder a "feiúra" da nossa limitação de vida
financeira.
Ao
som das canções daquela rádio que, em sua aleatoriedade, só nos permeava ainda
mais de um nível de profundidade e sentimentos, me recordo de está sentado num
sofá de capa verde, pernas de madeiras pretas vendo o sol invadir a casa e, num
movimento quase mágico, tocar o chão da mesma, fazendo reluzir o esforço de
Mainha, o que fazia com que ela olhasse para aquele chão e, como quem estivesse
em estado de êxtase, dissesse sob um riso suave: "Tá
vendo que é só o Sol chegar que a casa mostra seu brilho de beleza"?!.
E eu, ainda que pequeno, ali, sentado,
observava tudo tão encantado e embebido ao vê a felicidade pueril e satisfeita
de Mainha que, só agora consigo contornar as memórias de dor e, em meio a todo
dilacerar, vejo como tudo, mesmo que não
parecesse, compunha também um cenário de alegria, felicidade, encanto, sem que,
contudo, para isso, a gente precisasse está dentro de um palácio ou algo do
tipo! Quando via o sorriso de Mainha, misturado as canções, cujo entendimento
da minha parte era quase nenhum, mas, me traziam leveza e tranquilidade, tudo
ia ganhando outro sentido, outra cor, outra perspectiva, a ponto de assaltar de
nós a carga de sofrimento que nos era profunda e diária! Acho que deveria
escrever sobre as tardes, o esvair do dia também tem suas belezas.
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