segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

CAMINHO SE CONHECE ANDANDO...



“Todas as religiões e culturas são respostas ao mesmo mistério fundamental, mas cada qual percebe-o e responde a ele à sua maneira” (Harvey Cox)
Por: Cláudio Márcio[1]
Tenho observado com curiosidade e espanto algumas relações estabelecidas no cotidiano (lugar comum para um cientista social, não?), assim, inevitavelmente, sigo rememorando experiências familiares e religiosas que inculcaram em mim valores e visões de mundo. Lembro de minha mãe e irmãos realizando o culto doméstico. Lembro da ida para igreja batista na infância e adolescência aqui no território do Recôncavo da Bahia. Lembro de minha mãe orando no seu quarto ajoelhada próximo da cama. Com efeito, concordando com Renato Ortiz “as recordações não são nunca límpidas, cristalinas, elas repousam no fundo de uma tela recoberta por camadas superpostas de tinta”.
Desta maneira, a memória é um construto social em disputa, uma vez que, assim como o velho Raul Seixas “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”, isto é, dito de outra forma, Harvey Cox abalizou: “o eu não é uma entidade estática”, assim, mudamos. Há marcas relevantes na edificação social do meu “eu” e outras que precisam e ou precisaram de transformações. Mudar, por vezes, dói. Há medo, insegurança... O “chão nos é tirado”. Penso que é preciso (re)criar-se sempre. 
            Como ministro da Palavra e dos Sacramentos na Igreja Presbiteriana Unida, tenho ampliado minha rede de espiritualidade no mundo ecumênico e nas relações inter-religiosas. Aqui surge uma dimensão do espanto. Era limitado ao campo religioso da igreja batista. A leitura de textos no campo da antropologia e a vivência com outras lideranças religiosas me fazem perceber a relação eu-outro. O contato com ateus e agnósticos na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), também me fizeram (re)pensar muitas questões.
            De fato, tenho visto líderes ou fiéis do campo religioso (não apenas cristão) com o mesmo cuidado, empenho, amor e dedicação que minha mãe tinha (tem) com seus filhos. A ida aos templos e ou terreiros, a busca da espiritualidade, o empenho em uma sociedade mais justa... assim como:  disputas por poder e hipocrisia não é um mérito e ou um problema apenas do cristianismo.
            Desta maneira, como cristão protestante da IPU, acredito-defendo que é urgente trocarmos a percepção de MUROS por PONTES. Sim, somos diferentes. Sim, podemos sentar-nos à mesa da comunhão. Sabemos que em solo brasileiro, o povo de santo tem sido demonizado, humilhado, apedrejado e com alguns terreiros incendiados por cristãos (católicos e evangélicos). Essa realidade apresenta-se de maneira vergonhosa e lamentável. Sim, posso-devo aprender com o outro. Sim, há perigos se insistirmos em narrativas hegemônicas, hierárquicas, opressoras e não dialogais.
             Bem, não escrevo para responder. Escrevo para fazer pensar. Sigo na estrada, pois, o Jesus de Nazaré que creio é caminhante comigo, ou seja, além de Emaús como sugere a narrativa bíblica, ele caminha pelo território do Nordeste, da Bahia, do Recôncavo baiano e, não menos na cidade serrana de Muritiba. Como propõe o cantor-poeta Belchior “pois tenho comigo pensado Deus é brasileiro e anda do meu lado”.



[1]  Reverendo da Igreja Presbiteriana Unida de Muritiba-BA.

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